Leia as Histórias
Eu sou Miguel, nome que me foi dado em homenagem ao tio mais querido e que, por exigências de minha bisa, foi combinado com Salvador (homenageando o meu nono) e Gabriel (para ter a guarda eterna do Arcanjo). Nunca tive problemas com meu nome, a não ser por sua extensão, pois, justificando meu sangue oriental, sempre demando um pouco mais no custo sua grafia - tinta ou grafite em demasia.
Desde tenra idade, comecei a perceber que o Miguel Salvador Gabriel que existia no âmago do meu ser estava um tanto quanto incompleto. Havia outro ser latente dentro de minha figura, só não era fácil de identificá-lo. Um pouco mais velho, lendo as antigas revistas de minha mãe e, consequentemente, os horóscopos nelas existentes foi que descobri o meu signo regente. Eu era de gêmeos, daí, foi só dar trabalho aos meus miolos para concluir que aquele ser indefinido que me acompanhava incognitamente era a outra parte da minha personalidade, era o outro gêmeo.
Como soe acontecer com seres demasiadamente ocupados em sobreviver aos dias intensos de sua idade infanto-juvenil, da mesma forma com que desvendei o mistério de minha existência, a ele não dei maior, ou melhor, atenção. Os dias corriam céleres e eu precisava poupar minhas energias para vivê-los intensamente. E eles foram devidamente vividos. Eis que acordei um belo dia tendo plena consciência de que havia adentrado à minha juventude. Agora se fazia necessário que eu olhasse com maior atenção a tudo que por desídia ou descomprometimento eu havia deixado de analisar. Principalmente, teria de tentar entender melhor a existência daquele "gêmeo" que insistia em participar de minhas atividades rotineiras.
Pensei, pensei, repensei e, subitamente, aconteceu a eclosão. Surgiu a necessidade de colocar para fora meu ego debochado, histriônico e irreverente que, sem ter conhecimento, eu já apresentava nas minhas características pessoais. Constatado o nascimento, coube-me a missão de batizá-lo, e assim o fiz. Nascera, definitivamente, o palhaço Filomeno que durante muitos anos povoou minhas incursões circenses e teatrais. Que arrancou, por algumas décadas, estrondosas gargalhadas infantis e adultas.
Filomeno que um dia, por decisão autoritária, eu voltara a aprisionar no fundo de minha alma, permitindo apenas que seu espírito eivado de comicidade permanecesse presente, convivendo, diurnamente, com a figura indefinida e desinteressante do Miguel Salvador Gabriel. Hoje, do fundo dos meus esquecimentos, Filomeno veio à tona novamente. Mesmo sem exigir a sua caracterização especial, a sua máscara colorida e suas “gagues” irreverentes, ele voltou e tomou conta de seu espaço em minha cabeça.
Foi aí que comecei a alinhavar estas memórias de Filomeno. Memórias dos bastões de tinta para maquiagem que eram adquiridos em uma farmácia localizada no primeiro quarteirão da Avenida Rio Branco, quase esquina com a Avenida Ipiranga. Memórias dos saquinhos de Alvaiade e das latinhas de Pomada Minancora que, nas épocas de grana curta, serviam para pintar os brancos da máscara de palhaço. Da mesma forma que o lápis Crayon preto e o batom vermelho deixavam, surrupiados, o estojo de maquiagem da Da. Tereza para completar a pintura da singela máscara.
Memórias do Circo Irmãos Fernandes que o recebeu carinhosamente até o domingo em que um desalmado alcoólatra ateasse fogo em sua lona, finalizando de forma dantesca a Sessão Matinê e colocando em risco um número enorme de crianças da periferia de Barueri. Circo que nunca mais conseguiu se erguer novamente. Memórias das tardes que devidamente caracterizado foi semear um pouco de alegria e colocar sorriso nas crianças internas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e de algumas Creches e Orfanatos da cidade de pedra. Nome Memórias dos Shows no palco improvisado do Colégio Frederico Ozanan que, invariavelmente ao final, tinham a voz de um negro cantor de Vermelho que se despedia da plateia cantando: "Na carícia de um beijo, que ficou no desejo, boa noite meu grande amor...".
É queridos leitores, esse Filomeno que eu pensei estar enterrado na poeira do passado ressurge e me lembra que devo continuar nesta vida, embora sendo um velho septuagenário a brincar e colocar irreverência em tudo, sempre que possível é claro, e me lembrando mais uma vez que: "Da vida nada se leva, a não ser a vida que a gente leva...".
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Heitor Enviado por heitor iório - [email protected]
Abraço de seu amigo Ignacio Enviado por joaquim ignacio de souza netto - [email protected]
Abraços Enviado por alexandre ronan da silva - [email protected]
COMO CANTAVA PAVAROTI, RIDI PALHACO, RIDI PALHAAAACCCOOO. Enviado por joao claudio capasso - [email protected]