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Lá está ele na porta do mercado, gingando e balançando a barba. Ouve-se uma canção, meio engrolada e roufenha, de seu interior mecânico. Mas a expressão é alegre, e os olhos azuis, mesmo de plástico, parecem matreiros.
Tem razão para sorrir, está em toda parte, e comanda pessoalmente o maior dos períodos comerciais do ano. O Bom Velhinho, enquanto o Natal não chega, há muito está em atividade, escalando janelas, as sacadas do Brooklin, nos jardins, nos semáforos da cidade toda, na mais ínfima e pobre das vitrines, colorindo tudo com o traje vermelho. Ele sabe que é garantia de faturamento gordo, mais até que sua pança que sacode ao som de sua característica risada. É rico, ri mesmo a toa...
O visual é todo planejado, especialmente para os países frios; as vestes rubras em contraste com a brancura da neve, as nuvens cinzentas e a temperatura na casa de zero grau. A Coca Cola, com seus marqueteiros e grandes ilustradores, sabia bem o que fazia quando estabeleceu o novo padrão para o já combalido Santa Claus ou São Nicolau.
Deu-lhe nova roupagem, e soltou-o pelo mundo, com o espírito de um conquistador viking, vindo da Laponia. Do alto de suas renas, lamentavelmente ele dominou o cenário do Natal, deixando para o Menino Jesus a discrição de sua humildade e pobreza.O que deveria ser uma festa de recolhimento e contrição familiar virou um super espetáculo de consumo, Noel carregando sacos, mas de puro ouro.
Não se enganem com sua aparente bonomia; ele é mesmo um vitorioso. Tentaram substituí-lo, aqui mesmo em nossas terras, por outro ser mais coerente com a realidade brasileira. Inventaram o Vovô Índio. Mas índio e subdesenvolvido logo foi extinto.
Quando eu era pequeno lembro-me, na casa de Tia Zilda, na Rua Albuquerque Lins, defronte ao Teatro São Pedro, de ter visto um belo álbum, enorme e colorido. As ilustrações eram, creio, de Monteiro Filho. Acompanhava-o um LP, muito bem feito, musicado e interpretado. Tentava realizar a substituição de Noel pelo bondoso Pai João, um preto velho, que passaria a "trazer os presentes das crianças".
Lembro da rouca voz do Pai João, dizendo:
-"Papai Noel já está velho, e cansado".
Se bem que velho e cansado quem parecia ser era ele mesmo. Ledo engano. Noel tinha muita lenha para queimar, e nada mais fez que prosperar nos anos que se seguiram.
Ao pobre Pai João, que mais parecia uma reencarnação do Pai Tomás, nada mais lhe restou que retornar à sua famosa cabana, e lá desaparecer para sempre. Noel vencera mais uma vez, por nocaute.
E aqui está ele de novo, esbanjando exuberância e vitalidade. É o maior vendedor do mundo, e de sua lábia é difícil escapar. Eu mesmo não tento, há que comprar presentes, mesmo numa escala modesta. Resta o consolo de que é ao menos um bom elemento decorativo, colocando cores festivas nas reuniões familiares, e assim aquecendo mais um pouco os corações.
E, nesse processo, talvez, sem querer, deixando-os mais abertos ao aparecimento verdadeiro do espírito natalino.
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Eu, inclusive, por anos e anos, me transformei nesse velhinho para presentear crianças pobres e crianças da familia.
É uma emoçãpo inenarrável. Enviado por Miguel S.ç G. Chammas - [email protected]
Abraço
Célia Enviado por Regina Célia de Carvalho Simonato - [email protected]