Leia as Histórias
Estavam se iniciando as férias de julho do ano de 1950 quando, de mãos dadas com minha mãe, entrei no Convento de São Francisco, em São Paulo, percorrendo o grande corredor lateral à Igreja, que nos levava a uma sala privativa, com cadeiras tipo poltronas de madeira, numa decoração bastante austera, como convinha a um Convento de Frades.
Logo depois de nos instalarmos, entrou uma figura alta, ereta, linda, de olhos verdes, vestida com o hábito marrom dos franciscanos, que, após cumprimentar minha mãe, foi apresentado a mim: Frei José de Guadalupe Mojica.
Minha mãe já havia conhecido o José Mojica antes dele ser frade, em 1937, quando esteve no Brasil e apresentou-se no Cassino da Urca, e também em seu retorno, em 1942.
Eu havia assistido ao filme de sua vida e ouvido muitas de suas árias e músicas, pois minha mãe comprava seus discos de 78 rotações e tocava na rádio-vitrola, como se dizia. Ele tinha uma voz maravilhosa de tenor, porém, me lembro que o olhava com muita curiosidade, pois apesar de conviver com muitos cantores e maestros, era a primeira vez que via um padre que cantava óperas; os outros só cantavam músicas gregorianas e sacras.
Simpaticamente, ele me contou que havia nascido no México, em 1896 (como minha avó), onde começou a sua carreira de tenor de ópera com o extenso nome de Crescenciano Abel Exaltación de la Cruz José de Jesus Mojica Montenegro Chavarria y Romero, mas que era conhecido em todo o mundo apenas por Frei José de Guadalupe Mojica. Convidou-nos, então, para a apresentação especial dele no Museu de Arte de São Paulo.
Sua voz era belíssima, e a simplicidade do frade apagava qualquer vestígio do grande astro de Hollywood que fora antes de entrar para o convento, por convicção, sem o menor desejo de retornar a carreira artística que deixou para trás. Entretanto, ele retornava a São Paulo para apresentar-se, por autorização de seus superiores, num programa de rádio para cantar, e só então havia tomado conhecimento que se apresentaria na inaugurante TV PRF-3 Tupi, num programa experimental, no dia 4 de julho, do Mestre de Cerimônias (assim se chamava os apresentadores) muito mocinho, o J. Silvestre, antes da inauguração oficial da TV no dia 18 de setembro de 1950.
É interessante que esta data foi sempre muito significativa em minha vida, se repetindo por muitas vezes.
O Frei José Mojica cantou acompanhado por um franciscano peruano, o pianista Pacifico Chirino e pela orquestra Tupi. Na inauguração da TV, ele fez um discurso muito bonito, declarando: "Todos os aplausos e todos os prazeres não dão a paz, nem valem o que vale uma hora de serviço ao Cristo"!
Feliz com os resultados da experiência, o Assis Chateaubriand, dono da Rádio Tupi, da TV que estava nascendo - que tantos julgavam ser um ato de loucura, da Revista O Cruzeiro e dos Diários Associados entre outros -, publicou, na manhã seguinte, a noticia do êxito da experiência da televisão, que minha mãe leu em voz alta para eu ouvir e convidou o Frei Mojica para uma segunda apresentação da TV experimental no dia 7 de julho.
Chatô, como era chamado, espalhou monitores de TV nos cruzamentos das ruas 7 de Abril e Bráulio Gomes, para que a população pudesse assistir, pois as pessoas ainda não tinham aparelhos de televisão em casa.
Nessa época, eu circulava direto nesse meio por fazer parte do grupo de arte da Mary Buarque, com seu programa Pequenópolis e do Clube Papai Noel que, logo após a inauguração oficial da TV no dia 18 de setembro, passou a ser apresentado na Rádio Tupi e também na TV aos domingos pela manhã. Por isso, conhecia todo mundo.
O programa televisionado foi realizado no Museu de Arte de São Paulo, na Avenida Paulista, às 17 horas, apresentando o frei cantor, como diziam, para uma seleta platéia convidada. Eu estava lá, com meus pais, e o ouvimos declarar: "Em verdade, nunca pensei que após entrar para a vida religiosa, algum dia voltasse a apresentar-me em atividades radiofônicas, como agora". Nesse dia, eu ganhei uma bela foto dele, sempre vestido de frade, autografada e dedicada a mim com palavras de estímulo e elogios aos meus estudos musicais.
A belíssima voz do Frei José Mojica tornou-o o primeiro tenor da Ópera de Chicago, logo após ter sido apresentado pelo incomparável Caruso. Tornou-se conhecido e famoso cantando clássicos da música popular em seus filmes de galã, como Maria La-Ô e Jura-me, antes de assumir a vida religiosa.
O Frei Mojica, considerado um dos grandes artistas latinos do século, antes de entrar para a vida religiosa, não pretendia retornar à vida artística, mas os frades o autorizaram a voltar a cantar, para arrecadarem fundos para as obras da Igreja, pois ele havia sido o galã mais bem pago de Hollywood nos seus tempos de artista, quando morava com a mãe numa mansão cor-de-rosa, com quadra de tênis e piscina, conforme aparecia nos jornais da época - um luxo bastante incomum.
Apesar do sucesso que atingiu, - pois além da voz belíssima ele era muito bonito, como já disse -, nunca se ouviu falar de farras e namoradas e foi por causa de uma doença da mãe que ele prometeu abandonar tudo e sagrar-se frade.
Contava-se que, em apenas uma turnê, ele arrecadou mais de trezentos mil dólares, com os quais construiu um colégio no Peru! Convicto de sua vocação, costumava declarar: "Eu tive em abundância tudo o que a juventude persegue, por isso digo que todo o ouro do mundo, a fama, o poder, o aplauso e o prazer não equivalem a uma hora a serviço de Deus".
Em 1955, por ocasião da morte de Carmem Miranda, ele esteve no Brasil e fomos à missa rezada por ele. Seus últimos retornos ao Brasil foram em 1964, quando, já casada, o recebemos em casa, sendo apresentado ao meu marido. Ele fez a entronização da residência e, em 1967, quando num jantar em casa de minha mãe, apresentei-lhe meus filhos.
Ele escreveu um livro de sua vida e, ao morrer, em 20 de setembro de 1974, deixou muitos filmes e discos gravados. Nessa data, eu, minha irmã e minha mãe estávamos na Europa e acompanhamos com muita tristeza o noticiário de sua morte, fartamente relatada em todos os jornais dos diversos países.
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