O final de semana já se anunciava num dia de sábado e a velha Praça Roosevelt cedia agora o seu espaço, antes tomado pela feira livre, para o estacionamento dos muitos automóveis daqueles que por ali transitavam.<br><br>Durante as manhãs de sábado, era grande o burburinho dos barraqueiros e outros comerciantes informais de uma das maiores feiras livres da capital paulistana. Donas de casas com suas sacolas ou carrinhos de compras, daqueles que se desmontavam, misturavam-se aos velhos carregadores com seus enormes cestos, misturavam-se nas alamedas de tendas e barracas.<br><br>A Praça Roosevelt era uma área de enorme espaço e se limitava em seus extremos com as duas artérias bastante conhecidas, a Rua Augusta e a Rua Consolação. Também abriga a igreja de Nossa Senhora da Consolação, templo de memoráveis casamentos e acontecimentos sociais e políticos nas décadas de cinquenta e sessenta.<br><br>Com o aproximar da noitinha e estando a velha praça liberada da agitação da feira, as pessoas agora por ela passeiam para os mais variados destinos. Alguns procuram a igreja para a missa noturna, outros em busca das muitas boates para um “happy hour” que muitas vezes se tornaria um prelúdio de uma noitada regada a uísque ao som de um conjunto que tocava antigos boleros e sambas-canções que falavam de amor e traições, do tipo “dor de cotovelo”.<br><br>Não eram mal afamados os “inferninhos” e não raramente podíamos ver e ouvir Cauby, Roberto Luna, Willian Fourneaut, aquele do ouvido absoluto e que tinha um sibilar assovio, de incomparável musicalidade. Também, Agostinho dos Santos, Alaíde Costa, Dick Farney e tantos outros.<br><br>Perto dali estava a TV Excelsior, canal 9, que ficava na Rua Nestor Pestana, oferecia seus programas de auditório ao vivo e as atrações eram sempre disputadas com a TV Record que oferecia programas de qualidade e contratações milionárias. Neste embalo de programações, ainda podia-se optar por uma alternativa mais popular e bastante tradicional. Ficava na Rua Rêgo Freitas, próximo da Rua Consolação, a gafieira mais conhecida de toda a paulicéia, o “Som de Cristal”.<br><br>Pouco sei de sua história, mas arrisco palpitar naquilo que vi e ouvi em meus tempos de rapazola, de um lugar que, para mim, era impróprio e oferecia certo charme de seus convivas. Instalada em um prédio de construção antiga, suas largas escadarias de madeira faziam atingir o primeiro andar onde estava o enorme salão com uma afinada orquestra, com mesas alinhadas e atoalhadas e suas cadeiras. Um bar fornecia as bebidas e acompanhamentos aos seus ocupantes.<br><br>A um toque de sequentes notas do trombone, era a senha para que os muitos 'pés-de-valsa' se preparassem para a noitada dançante que se iniciaria. Sambas, sambas-canções, boleros, repicados, quadradinhos e o que mais se inventasse em matéria de musica e dança seria devidamente absorvido naquele quadrilátero sagrado do samba. Cantores como Jamelão, Noite Ilustrada e tantos outros, emprestavam suas vozes e repertórios com músicas para dançar solto ou de rosto colado onde juras de amor ou segredos mais íntimos eram confidenciados e, assim corria a noite e a madrugada.<br><br>Seus frequentadores eram pessoas simples e não somente da periferia. Tinham a semana inteira para “ralar” em suas mais variadas atividades. Eram empregadas domésticas, operários de fábricas, comerciantes, pedreiros e até feirantes que, depois de uma semana de muita labuta, encontravam espaço no Som de Cristal para espairecerem dos agitos de suas tarefas e para 'agitarem' seus corpos em um momento de desprendimento de suas preocupações e em busca de um pouco de alegria e diversão. <br><br>As mulheres buscavam em suas vaidades, apresentar o melhor de suas vestimentas com saias bem rodadas e cinturas marcantes, acompanhadas de sutis decotes e sapatos de salto alto. Bem maquiadas, cabelos alinhados em seus penteados armados e não economizavam no 'laquê' e, o perfume então, algo que lembrasse Tabu, de “Danna” ou Água de Colônia, da “Cashemire Bouquet”. Já os homens, em seus trajes formais de terno e gravata, sapato social de bico fino, barba feita, alguns com o inconfundível chapéu “Nat King Cole”, também um luxo.<br><br>À mesa, um coquetel de bebidas nem tanto exóticas, mas a campeã de toda a gafieira era sempre a boa e velha “cuba libre”, ou 'hi-fi' com Crush e chicletes Adams para disfarçar o "bafo-de-onça". <br><br>Bons tempos da gafieira que eu não vivi, infelizmente mas, em comparação com as festas "raves" e os bailes que tocam funk, disparadamente me vem às saudades dos tempos em que eu fui feliz e sabia.<br><br>E-mail: [email protected]<br>