Nos anos sessenta morei próximo ao Largo do Arouche. Tinha dezessete anos e fazia o famigerado "cursinho" preparatório para os exames vestibulares. À tarde, para espairecer, e fugir de meu modesto quarto de pensão, ia me sentar num dos bancos da praça. Pernas cruzadas, braço esquerdo sobre o encosto e trazendo na mão direita um cigarro Minister (também cometi essa bobagem!), tirava baforadas de fazer inveja a Humphrey Bogart em Casablanca. Ficava algum tempo observando as "meninas" – louras, morenas, olhos castanhos, azuis mediterrâneos ou negros; tagarelas e graciosas em seus uniformes escolares, principalmente do Caetano de Campos, na Praça da República, que por ali passavam. Acostumado à vida no interior do estado, estranhava que nenhuma delas, jamais, mesmo por pena ou compaixão, me dirigisse um olhar ou um sorriso. Vestia-me razoavelmente bem e se não era um Tyrone Power, estava muito longe de ser feio. Não era, como se dizia, de "jogar fora". Isso me intrigava e me afligia e, cabisbaixo, voltava para o meu acanhado quartinho. Foi preciso que um genial baiano, muitos anos depois, me libertasse desse trauma. Quando ouvi Sampa pela primeira vez, compreendi e lhes "perdoei" o curioso e estranho comportamento.
A velha pensão foi demolida; em seu lugar, hoje, se ergue um assustador edifício. O Largo do Arouche continua lá. Não sei se, ainda, com suas numerosas e encantadoras floriculturas oferecendo rosas, cravos, lírios, margaridas, palmas e crisântemos. Se não guardei, desse tempo, a lembrança de um olhar ou de um sorriso, permaneceu para sempre, na memória, a festa alegre de cores e fragrâncias que o velho Largo proporcionava aos privilegiados que por ele caminhavam em busca de seus destinos. Saudade!
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