Feira livre

Provavelmente não exista nada que me encante mais que as feiras livres de São Paulo. Livres mesmo: tem espaço para todos os gostos e tipos. Chama a atenção especialmente pela simpatia das pessoas que circulam por ali, pelos vendedores que sabem atender e conversar. E como uma boa feira, tem a cara da cidade-monumento! Todos se fazem representar ali.
É poética a figura do japonês do pastel, sempre fritando coisas gostosas, como os pastéis de palmito, de frango e de queijo. É, no mínimo, maravilhoso. O bom mesmo é levar o pastel pra casa, pra comer depois, numa hora qualquer, sem compromisso com nada, mesmo frio, com o relógio de lado. Tem o baianinho ralando coco, o outro nordestino que vende alho e pimenta moída a granel. E conversam entre si, com freqüência e sempre de bom humor.
É um misto de aromas, cores e sabores inigualável! Não tem simpatia maior que a da japonesa vendendo sapatos e sandálias, ou da outra, quietinha, vendendo roupas. Numa das últimas vezes que fui à feira da Vila Sônia, aproveitei e comprei uma saia (linda, por sinal) proveniente da Índia, toda colorida, que combina com túnica de qualquer cor, e a gente fica elegante no último.
Numa das vezes, resolvi ousar. Pedi para que me deixassem fotografar e, pra variar, eu sempre tinha que explicar a situação. Sou paulistana, mas moro fora se São Paulo há anos e tal e coisa… Fotografei a banca do bananeiro, com o próprio arrumando as bandejinhas de banana maçã e nanica. Aproveitei e fotografei os dois rapazes provenientes do Nordeste ralando o coco. Esses ficaram meio envergonhados.
Muitos gritam, fazem rima, vendem chuchu (rico em vitamina A,B,C: casca, água e bagaço) e oferecem os seus produtos como se fosse tudo o máximo em termos de qualidade. E a japonesa vendendo calçados e o outro vendendo vassouras… E mais outro vendendo aqueles docinhos deliciosos também a granel, as balas de goma, de coco, aquelas geléias coloridas. Tem até pão italiano na feira, proveniente da Padaria São Domingos, tradicionalíssima no bairro do Bixiga, com selo e tudo. Tem a banca do peixe, do frango temperado. Tem até uma peça grande de fígado para ser fatiado conforme a vontade do freguês. Nas bancas dos japoneses, haja bolinho de feijão e alimentos coloridos que eu nem conheço… Agora, aqueles sacos de arroz, de feijão, com uma tabuleta indicando o preço do quilo, têm a cara dos tempos anteriores à industrialização, dos tempos que a vó contava de quando veio do sul de Minas e morou na Cantareira, perto do Mercadão, de uma beleza ímpar, saudosa, com cheiro de um tempo muito bom, mesmo com as dificuldades da época. Tem cheiro de tempo familiar.
Eu trouxe as fotos para casa, mostrei e comentei o seu significado com pessoas importantes para mim, que também entendem de saudades. Ampliei todas elas, coloquei em quadros e forrei duas paredes do meu apartamento. Essas fotos (todas) me serviram de companhia nos momentos mais difíceis, em épocas de solidão, de revezes. Afinal, uma feira em São Paulo, não importa se no Cambuci, na Aclimação ou na Vila Sônia, traz sempre algumas mensagens sutis, como, por exemplo, a igualdade entre as pessoas, a necessidade que umas têm das outras, o dinamismo da condição humana, a relação de trocas, com muita freqüência, gentil. Depois que a feira acaba, os feirantes trocam, entre si, muitas das mercadorias que sobraram e começa a limpeza. E as ruas retomam o seu curso normal numa cidade fervilhante, que mistura o tradicional e o arrojado. E continua surpreendendo. Sempre.

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