Início da década de 60. Eu ainda era menino e morava na periferia de São Paulo. Tempos inesquecíveis. Jogar futebol, ir ao clube, ao colégio, andar na rua sem medo, a amizade dos vizinhos e o boxe. Poucos entendiam a paixão de uma criança por um esporte "tão violento". Essa paixão tinha um nome: Eder Jofre.
Em um tempo que só se falava em futebol, nomes como o de Maria Ester Bueno, Adhemar Ferreira da Silva, Wlamir Marques eram pouco citados perto dos nomes dos jogadores famosos como Garrincha, Didi, Pelé, mas não o de Eder Jofre.
Lia avidamente tudo que se falava sobre nosso herói. Sua história e seus feitos eram retratados em fotonovelas (alguém se lembra delas?) Sabíamos de cor o nome de sua noiva, de sua mãe e do inesquecível Kid Jofre. Os jornais anunciavam suas lutas e as ouvíamos com o rosto colado nos rádios. Televisão era algo ainda muito distante.
Finalmente chegou o grande dia. A luta pelo título mundial dos pesos galos seria em Los Angeles contra o mexicano Eloy Sanches. Antes, Eder já havia feito a eliminatória contra Joe Medel. Luta terrível. Vencida com determinação, garra e coragem pelo brasileiro.
Essas lutas, devido o fuso horário, eram transmitidas pelo rádio durante a madrugada. Escutar rádio de madrugada, dentro da casa, sem autorização dos adultos, era missão impossível. -"Queima os miolos", dizia meu avô.
– "Isso não é hora de criança ficar acordada", dizia minha mãe.
Naquela semana pouco dormi. Só pensava na luta sonhando com um brasileiro simples como eu sendo nosso primeiro campeão mundial. Armei a estratégia. Durante o dia sintonizei a emissora que iria transmitir a luta. Soltei a válvula do rádio. Anunciei que o rádio estava com defeito.
Não podia correr riscos. Naquela noite minha família não escutou sua novela. Havia um problema: o sono. Como acordar sozinho durante a madrugada. Peguei o despertador, barulhento. Marquei para as imagináveis duas horas e o coloquei embaixo do travesseiro. Adormeci profundamente.
Acordei assustado. O barulho abafado do despertador soava distante. Vontade de continuar dormindo. Coragem. Levante menino. Pense no seu herói. Perambulei silenciosamente no escuro da casa. O único rádio ficava pomposamente na sala. Se fizesse barulho, teria que voltar para a cama.
Válvula ajustada. Som baixinho. A voz de Pedro Luis anunciava que a luta já havia começado. O som baixo ia e vinha. Às vezes não dava para entender quem estava ganhando. Angustia, sofrimento, torcida. Sexto assalto, o mexicano no chão.
Vibração. Palmas. Emoção. A mãe se levanta. O avô aparece. Palmadas e muito sermão. Condoeram-se. Falaram que um homem não devia chorar. Só não sabiam o motivo das lágrimas: nosso herói era o grande campeão do mundo.
Pela manhã, na escola, estava radiante. Nenhum colega havia escutado a luta. Poucos sabiam o resultado. Eu dava detalhes. Falava com cátedra dos movimentos e técnica do "Galo de ouro". Fiquei orgulhoso. Eu também tinha tido a coragem do nosso campeão!
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