Há coisa de dez anos atrás, num sábado de sol em que ir ao jóquei é mais gostoso do que uma tarde no circo, estava eu na Avenida Cupecê, primeiro na casa de uma cliente fazer um orçamento para depois me deliciar em ver os cavalos disputarem, cabeça a cabeça, a chegada ao disco. É bem verdade que uma fezinha era feita. Um pouquinho só, porque sou chamado “aquele mão-de-vaca”.<br><br>Quando “caminhava” com meu carro pela avenida acima citada, vejo um homem sentado, na guia da calçada, com aspecto desanimador e com o rosto branco. Quando estava a uns cem metros depois, veio à mente que aquele senhor não estava bem de saúde. Pensei: “Acho que ele está passando mal”. Dei meia volta e voltei ao local onde ele estava. Passando em frente a ele, vi que já tinha uma senhora ofertando um copo de água.<br><br>Parei e perguntei o que se passava com ele. A mulher disse que talvez ele tivesse tido uma queda de pressão ou coisa que o valha. Ofereci-me em levá-lo ao hospital. Já quando caminhava em sua direção, pensava que o hospital municipal Artur de Sabóia seria o mais perto. Ele se recusou em ir a hospital. Perguntei onde ele morava, a resposta foi Rua Guarará, Jardim Paulista. Disse a ele que ia para a Vila Nova Conceição, coisa de dois quilômetros antes. “Olha, para mim não tem problema levá-lo até sua casa. Quer ir?”.<br><br>Prontamente levantou-se, com alguma dificuldade, e veio para meu carro. No caminho, ia conversando com ele, que dizia que em outra oportunidade já tinha acontecido isso. Olhei bem para a fisionomia dele e veio a impressão que era um sujeito que enchia a cara. Não quis nem saber: <br><br>- Posso fazer uma pergunta? <br>- Sim, fique à vontade.<br>- O senhor bebe?<br>- Sim, bebo, esse é o meu dilema. Não consigo parar de beber. A cachaça tem sido minha grande amiga.<br>- O senhor fuma?<br>- Sim, uma media de um maço por dia.<br>- Mas me diga uma coisa, já que demonstra uma boa vontade em conversar comigo: o que faz mais mal, o cigarro ou a pinga?<br>- Olha, amigo, os dois fazem mal. O álcool cozinha o fígado, e o senhor está ameaçado de ter uma cirrose, um belo câncer, hepatite e outra coisa qualquer. O cigarro tem a nicotina como o fator de viciar o cidadão. E a fumaça entope as veias e o cidadão morre por infarto. Mas fora isso tem o fator moral. Se o senhor fuma, vai morrer mais cedo, e ninguém fica sabendo, porque o cigarro não deixa o cidadão fazer asneira na rua e ninguém nem percebe se o senhor fuma, a não ser que vejam. Mas se bebe e em demasia vai para a sarjeta, fica babando, os cachorros ficam lambendo sua boca. Quem o conhece se penaliza e o leva para casa carregado e à vista dos vizinhos. Aí, quem padece mais é a família. Quando você sai à rua, todos falam “lá vai o bêbado”, outros dizem “olha o bebacho”, ou então “o pinguço”. Também as pilhérias: “Será que ele está de pé redondo?”. Mas o pior é quando sua mãe vai à padaria ou no açougue: “Olha a mãe do bêbado!”; “Olha a irmã do bebacho!”; “Será que elas têm força para um dia carregá-lo para casa?”.<br><br>O homem começou a derramar lágrimas e desabafou. Puxa vida, nunca pensei que uma pessoa mais nova que eu ia me dar tal lição. Ao deixá-lo em casa, ele agradeceu e disse que ia pensar muito no que havia ouvido.<br><br>Ah, hoje, 31 de maio é o dia anti-tabaco. Você fuma? Eu parei dia 8 de dezembro de 1982. Foi a melhor coisa que fiz na vida.<br><br>e-mail do autor: [email protected]