Meus pais, modestos interioranos, recém-casados e com dois filhos pequenos, mudaram-se para a Capital em busca de uma vida mais promissora. Foram morar na Vila Bertioga e, com muito trabalho, conseguiram recursos financeiros para comprar um terreno na Vila Invernada. Dizia minha mãe que o lugar era tão ermo que se podia cortar cabo de enxada apenas atravessando a rua de terra. Um amigo de meu pai, Sr. Amadeu, também oriundo da mesma cidade, prontificou-se a construir a casa que viria a ser nosso lar; bastando que lhe pagassem com almoço e uma cerveja enquanto procedia a construção.
Eram tempos difíceis e o rendimento, pouco. Minha mãe cuidava para que meus irmãos não saíssem nem ao portão, evitando assim que vissem o vendedor de quebra-queixo e lhe pedissem para comprar. Meu pai trabalhava numa metalúrgica na Rua Sapucaia e ela, que tivera apenas três meses de escolaridade, ajudava na manutenção do lar vendendo caibros e madeiras em geral, no quintal de nossa casa. Tinha um raciocínio perfeito e mesmo com pouca escolaridade calculava os preços num trabalho justo e honesto. Aos poucos a casa ficou pronta e mais dois tios com as respectivas famílias vieram do interior se juntar a eles.
Era tempo de guerra, tudo racionado, e minha mãe ia a pé desde a Vila Invernada, seguindo silenciosamente um lixeiro seu vizinho – que saía de casa às 4h da manhã para trabalhar – até uma padaria na Água Rasa, onde lhe era reservado um "filão" de pão pelo padeiro filho de uma amiga.
Assim a vida foi transcorrendo e anos depois eu nasci (1949), segundo minha mãe, em "berço de ouro". Imagino como devia ser anteriormente! A guerra terminara há muito, meu pai continuava firme no trabalho e apesar de quase não o vermos, pois ele se "acabava" em horas extras, havia muito amor e profundo respeito.
Aos domingos estava sempre presente, não faltava o guaraná caçula Antártica para todos e a minha mãe preparava um delicioso "macarrão enxuto" – aquele "spaghetti" do papel azul (seria o da fábrica Matarazzo?).
Éramos felizes, havia muito amor e após o almoço nos íamos brincar no quintal enquanto meu pai e meus tios ouviam na rádio Bandeirantes o jogo de futebol, muitas vezes entre Palmeiras (o time do meu pai) e Corinthians (o time de meu tio).
Assim transcorria a nossa vida e quando meu pai completou 40 anos foi demitido. Vendeu tudo e fez o caminho de volta. Precocemente ceifado por uma doença adquirida no trabalho – silicose pulmonar – até seus últimos dias se referia à Capital com amor e orgulho. Passou esse sentimento aos filhos que se recordam com saudade daqueles velhos tempos da São Paulo da garoa.
Bons tempos, não voltarão, mas farão sempre parte de nossas boas recordações…
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