Cine Sabesp e os cines de rua

Só pode ser nostalgia. Mas, nostalgia boa, para mim, que frequentei tanto cine de rua. Lá estava ele, bem à vista, com seus cartazes, as portas abertas e a bilheteria quase sempre na rua mesmo, com suas filas. Depois, só subir as escadinhas e eis a sala de espera.

Em outros tempos, era uma recepção magnífica. Lembro-me do Marrocos com sua fonte “almudéjar”, da imponência do Ipiranga, das escadarias do Olido. Muitos detalhes me escapam; eu era jovem e mais ocupado com o filme em projeção, ou com a namorada ao lado.

Um dos que mais me marcaram foi o Santa Cecília, logo após a Praça Marechal. Recordava-me bem da recepção, com maciça mesa retangular de pés elefantinos e os paquidérmicos bancos laterais, dupla face como os dos jardins parisienses, com cabeças de elefantes entalhadas como descansa braços.

Lá dentro, demônios tailandeses nos recebiam em alas laterais, e seus olhos fosforescentes eram a última coisa a se apagar, no início das projeções. Ainda assim, prestando atenção, podia-se ver resquícios de brilho na abóbada, toda estrelada como uma enlouquecida noite de Van Gogh.

Mas tudo isto se foi, ou quase tudo. Até pouco, íamos ao ótimo Lumiére, na Rua Joaquim Floriano. Grandes filmes do grupo Playarte, simples, barato, antigo. Nem estacionamento pagava; era só parar em uma ruazinha próxima. Pois até este fechou, para nosso desgosto.

O que sobrou? O belo Majestic foi reaberto, mas não me animo a ir até lá, por causa do triste entorno. O mesmo em relação ao Olido. O Cinesesc resiste e muito bem, bons programas e bem amparado financeiramente. Como a Reserva Cultural, passando “La créme de la creme”, principalmente do cinema francês.

E o cineminha da Fradique Coutinho, que passou por várias fases, mas agora, adotado pela Sabesp, é bom como pão, simples como o Lumiére e com igualmente boa programação. Tende assim a perpetuar a tradição do bom cine de rua, contrapondo-se aos passadores de blockbusters, mega produções comerciais hollywoodianas. Grandes, cada vez maiores- e mais luxuosos- shoppings, onde até estacionar é um tormento. Cada vez mais numerosos e lotados, cada vez mais impessoais, cada vez inacessíveis.

Sempre que volto, como na juventude, ao humilde e honesto cine de rua. Ao se cerrarem as cortinas do espetáculo, saímos da escuridão à luz do dia, ao ar livre, ao cenário de pessoas reais passeando, ao fluir da humanidade.