Nós morávamos na Rua Alfredo Maia 306 – bairro da Luz. Ocupávamos a parte de cima do sobrado, embaixo residiam os donos desse pequeno edifício: ‘Dona’ Helena Dizioli (Chocolates Dizioli) e seu esposo, o senhor Calimélio. Tinham um único filho, Ricardo.<br><br>Papai usava um dos cômodos da casa para fazer sua oficina de roupas esportivas. Instalou-se ali com quatro máquinas de costura industriais e cinco pessoas trabalham em fabricar calções para futebol e natação. Papai comprou um catalogo de roupas da Wilson, vindo dos Estados Unidos, e com isto tinha idéias de modelos e padrões. Não tinha muita produção, mais o bastante para sustentar a nossa pequena família.<br><br>Tínhamos até automóvel, um Chevrolet. As entregas eram feitas por mim, nos intervalos da aula. Os pacotes eram pequenos e não continham, via de regra, mais do que cinquenta peças. Eram embrulhos feitos em papel "craft" e amarrados com um barbante grosso. Assim eu podia carregá-los segurando pelo barbante tornando mais fácil o transporte.<br><br>Eu subia a Rua Rodrigues de Barros até a Avenida Tiradentes para tomar o bonde rumo ao Largo de São Bento. Esperava pelo tipo de bonde puxando o "reboque" porque viajando no reboque, era mais divertido, pois chacoalhava e eu não sentia aquele cheiro quente dos freios do bonde. Coisas de garoto.<br><br>O bonde passava pela estátua do Ramos de Azevedo, em frente à estação da Luz e seguia subindo a Rua Florêncio de Abreu. Um pouco antes do Largo de São Bento, o bonde parava ao lado da muralha do Mosteiro de São Bento. Ali quase todos desciam e eu também.<br><br>Com os dois pacotes, eu cruzava o largo em direção a Rua de São Bento. Tínhamos dois clientes naquela rua. A “Casa Fuchs” e, logo mais adiante, seguindo em direção à Praça do Patriarca, “O Esporte Nacional”. Na entrega eles conferiam a mercadoria e eu trazia o papel e o cordão de volta para economizar. O papel era tão resistente que durava por mais três ou quatro entregas, dependendo do meu cuidado em transportá-los.<br><br>Eu voltava para o largo seguindo pela Rua São Bento, e costumeiramente parava nas portas dos cines Alhambra e Rosário. Gostava de ver os cartazes, que naquela época eram pintados a mão. Aquela rua era sempre movimentada e alegre. Lembro-me de um peculiar vendedor de bilhetes, que com voz esganiçada, anunciava:<br>- “Vai dar o gato, fique com o gato”.<br><br>O ponto do bonde para o retorno ficava quase na junção entre o largo e a Rua São Bento, bem na porta de um bar. Muitos bondes que subiam a Rua Florêncio de Abreu nem sempre retornavam para Santana ou para Ponte Grande.<br><br>Em cima do bar, na parede de fora, havia um cartaz enorme, um "outdoor" da cerveja Caracu. Era uma moça, a lembrar uma empregadinha de patroa, vestida com um sumario aventalzinho e calcinhas menores ainda. Suas pernas juntas e com seu corpo dando as costas para o público. Seu bumbum era empinado. Uma de suas mãos segurava um espanador de penas junto à cintura. Porém seu rosto estava voltado e sorrindo para o público. No rodapé do anúncio, lia-se: Cerveja Caracu.<br><br>Eu acho que até o menos avisado entendedor poderia adivinhar o que o cartaz sugeria. Apesar de moleque, eu sempre achei genial aquela propaganda. O mais interessante era que as portas do Mosteiro de São Bento estavam bem diante do cartaz. O Largo de São Bento naquele tempo não possuía árvores capazes de impedir a visão dos frequentadores do Mosteiro.<br><br>Afinal, eu acho que todos gostavam daquela garota semi-vestida da Caracu<br><br><br>E-mail: [email protected]<br>