Era o ano da graça de 1956. O campeonato varzeano estava em franca evolução. Estávamos no primeiro turno e os grandes clubes da várzea eram colocados em diversos grupos para a classificação para a fase seguinte. Num dos grupos estavam dois gigantes do futebol varzeano da zona sul. Marechal Floriano do Itaim Bibi e Estrela do Ipiranga. Quando esses dois gigantes se encontraram ainda no primeiro turno, o jogo foi no campo do Estrela. Perto da Avenida Nazaré. O campo ficava no alto, uns dois metros acima do planalto do bairro.<br>O caminhão que levou os jogadores e alguns torcedores do Marechal ficou ali estacionado, juntamente com alguns carros dos diretores.<br>A preliminar estava em desenvolvimento e ouvíamos comentários de como se portava o time do Estrela.<br>Era um time que jogava duro, marcava bem, e dificilmente perdia em seu campo. Dizia-se também que o Estrela tinha certos jogadores e muitos torcedores destemperados, que para ir à agressão não pensavam muito. A impressão era de que tudo aquilo era dito para amedrontar o time do Marechal.<br>O jogo começou com arbitragem de um juiz da federação paulista de futebol assim como seus auxiliares. O Marechal se mostrou bastante à vontade e, como sempre, foi para o ataque em busca de fazer gols, como fazia em seu campo, também nunca se curvou no campo do adversário.<br>O primeiro gol não tardou a acontecer. O Estrela surpreendido se desarticulou e o Marechal marcou o segundo gol. O campo apinhado de pessoas, todas incrédulas. Gritavam, xingavam os adversários, que não estavam nem aí, pois alguns já tinham jogado em times da divisão primeira do campeonato de futebol profissional.<br>Como Olegário, James, Ari e Simãozinho que tinham jogado no Radium de Mococa, no início dos anos 1950.<br>Mas o que havia sido dito do destemperamento dos jogadores do Estrela se mostrou ainda no primeiro tempo. Oscar, zagueiro central, dominou a bola no peito, deixou cair ao chão e para esfriar o time adversário que fazia forte pressão, atrasou a bola para o goleiro Bolívar, que também tinha sido profissional. Quando Bolívar se agachou para pegar a bola o centro-avante do Estrela veio de encontro a ele chutando sua clavícula, que ficou fraturada, foi levado a um hospital. Algum jogador do Marechal disse que, mesmo que tivesse que morrer, o Marechal ganharia a partida.<br>O jogo continuou, e como não podia fazer substituição (coisas daquela época), o ponteiro esquerdo Branca foi deslocado para o gol. E o jogo terminou em seu primeiro tempo com dois a zero no placar para o Marechal. <br>No segundo tempo o estrela foi com tudo pra cima dos Itayenses, mas com uma defesa muito boa, onde se destacavam o zagueiro central Oscar e o lateral esquerdo Jacó, tentavam evitar que a bola chegasse ao gol agora defendido pelo improvisado Branca. Mesmo assim o Estrela consegue empatar a partida em dois a dois, que ía chegando ao final. Esse empate já era uma grande coisa para o time da casa. Mas eles queriam mesmo era a vitória, empate para eles em casa era derrota.<br>Nos últimos minutos eles queimavam os últimos cartuchos em busca do gol da vitória. A pressão era muito forte, e os minutos de jogo indo ao fim. Numa das investidas finais do Estrela o zagueiro central Oscar, bastante clássico, aquele que matava no peito e dava de chapa para um companheiro, deu um chutão para frente. Aí pegou o centro-avante Baba na linha central ainda no campo do marechal, tinha somente o zagueiro adversário para marcá-lo.<br>Baba corria feito louco, e o zagueiro não conseguiu o acompanhar, já passando pela intermediária, o goleiro do Estrela saiu do gol e já estando fora da grande área viu a bola ser rolada por Baba do seu lado indo para o gol já lentamente. Tinha gente atrás do gol que até assoprava para a bola não entrar. Mas infelizmente a bola entrou. Não deu tempo para muita coisa e o juiz terminou o jogo. Três a dois para o Marechal.<br>Assim que o apito final foi dado, os torcedores invadiram o campo e as agressões covardes aconteceram. O caminhão que tinha levado os jogadores foi totalmente destruído. Carros que eram de diretores também sofreram avarias. Os jogadores do Marechal não sabiam para onde correr, tinha jogador que se atirava do barranco ficando todo arranhado, sem contar os rostos e outras partes do corpo inchadas, devido a socos e pontapés recebidos.<br>Jacó, lateral esquerdo que tinha uma deficiência na perna esquerda, correu para o meio da Avenida Nazaré e se postou a frente de um ônibus do expresso brasileiro que ía para Santos. Quando a porta se abriu Jacó bastante assustado gritou para o motorista: fecha a porta, por favor, eu desço no quarteirão seguinte. Não precisou explicar nada, pois tanto o motorista como os passageiros assistiam à selvageria.<br>Os jogadores voltaram para casa com o uniforme do time, porque as roupas ficaram no vestiário. Bolívar que já tinha voltado do hospital com gesso no pescoço e uma tala no braço foi cercado por dirigentes do Estrela para evitar que ele também fosse agredido. Tinha gente que chegou no Itaim às cinco horas da tarde, sendo que o jogo deve ter terminado por volta da uma.<br>No Itaim só se falava em vingança no segundo turno caso eles viessem jogar no campo do Marechal. Mas numa reunião da diretoria do Marechal, o time deixou o campeonato. Para evitar uma carnificina caso o jogo fosse realizado.<br>Dois anos mais tarde, voltei a jogar no bairro do Ipiranga, pelo Flamengo da Vila Olímpia, contra o Democrático, num campo de terra vermelha. O jogo transcorreu numa boa e os jogadores do Democrático e os torcedores eram bastante educados. Perdemos por quatro a dois.<br><br>e-mail do autor: [email protected]