Aos vencedores, as pamonhas!

Quando meus pais vieram em definitivo para São Paulo no início dos anos 40, depois de uma primeira tentativa fracassada nos anos 30, trouxeram na bagagem mais uma filha, a derradeira nascida no interior. Eu, o único paulistano da família, só entrei em cena doze anos depois. Filho temporão ou raspa de tacho, como se dizia, encontrei as coisas já estabilizadas.

Mas em algumas famílias, nem todos vinham juntos. Era comum vir na frente um "pioneiro" que, chegando por aqui, com algumas economias, passava uns tempos em uma pensão e, logo que arranjava um emprego, alugava uma casa. Só aí começavam a vir os outros, que, então, tinham um lugar para ficar, até também conseguirem, por sua vez, um trabalho, e irem depois cada um cuidar da sua vida. Eram os chamados agregados. E naquela pequena vilinha da Rua Pires da Mota, na Aclimação, onde minha família foi morar, havia uma dessas famílias, que contava com cerca de vinte agregados.

As casas da vila tinham poucos cômodos, e nela dormiam onde houvesse um espaço na sala, na cozinha, no corredor e até no banheiro. E como onde há muita gente a comida costuma ser pouca, eles estavam sempre adentrando a minha casa, já que a porta ficava sempre aberta, farejando algum petisco preparado pela minha mãe.

Havia muita amizade entre as famílias. Pratinhos iam (com doces e salgados) e voltavam (vazios). Minha mãe, que não sabia dar limites, passou muito tempo lavando roupas para eles – primeiro de favor e de graça, depois virou obrigação, mas igualmente de graça. Já nem pediam mais: jogavam a trouxa por cima do muro para o nosso quintal. Até o dia em que meu pai, que chegara mais cedo do trabalho, quase levou uma trouxada na cabeça. Ele nem pensou: pegou e jogou de volta para o outro lado, encerrando aquela exploração.

Mas continuavam a farejar. Tanto que, quando em casa bateu aquela vontade de comer pamonha no pessoal, um plano de ação teve de ser elaborado. O milho entrou todo embrulhado em jornais e, naquele dia, as janelas e a porta permaneceram fechadas, as luzes ficaram apagadas e, dentro da casa, reinou o maior silêncio, como se não houvesse ninguém. Conversava-se baixinho e o necessário. Caso falhasse, não haveria plano B.

Havia em casa, dentre filhos e agregados, umas sete pessoas, e a conta era que, com aquelas espigas, dariam umas duas ou três pamonhas para cada um. Minha mãe, nascida na roça, mais as irmãs dela, sabiam como poucos preparar uma boa pamonha. Talvez muitos não saibam o trabalho que dava. Era preciso separar as palhas para os saquinhos que eram de dois tipos: costurados ou então dobrados e amarrados com um fitilho da própria palha. O milho verde era ralado manualmente, espremido, peneirado. Ao leite do milho adicionava-se açúcar, canela e outros ingredientes para posterior cozimento dentro dos próprios saquinhos. E o pior era a sujeira que fazia por toda a cozinha.

Prontas as pamonhas, foi preciso limpar a cozinha meticulosamente; nenhum resíduo de milho foi deixado à vista. As palhas e os sabugos saíram da mesma forma que entraram: embrulhados em jornais. Se aqueles vizinhos suspeitassem de alguma coisa, viriam em peso em casa e, então, pamonha só no ano seguinte.

Apesar de tudo, naquela vilinha saíram muitos casamentos entre os moradores. Meu irmão mais velho foi um dos que casou por lá. Apesar de todas aquelas dificuldades, todos aqueles agregados constituíram suas famílias, prosperaram, passaram a fazer parte desta Paulicéia Desvairada e viveram felizes até o final das suas vidas. Que Deus os tenha!

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