Antonio e a pimenta

Noite de pizza lá em casa. Quase sempre em sete de Setembro e quinze de Novembro, os aniversários patrióticos do meu avô e do meu pai. Não faltava festa na Barra Funda. Os preparativos nas primeiras horas da manhã tinham que ser providenciados. Minha mãe sempre contou comigo, pois eu era o pizzaiolo. Ajudava a amassar a massa, acendia o forno e tomava conta das pizzas. Quase sempre se amassavam vinte quilos de farinha e se fazia muitas pizzas, mais de oitenta acho…

A gente tinha uma estratégia toda especial. A caixa de massa era de madeira com as laterais inclinadas, duas alças de cada lado para carregar. A nossa receita para uma boa massa era: para cada cinco quilos de farinha Sol, acrescentava-se dois ovos, duas colheres de sobremesa (bem cheias) de sal e cinco colheres (rasas) de sobremesa de açúcar. O fermento era o Fleschmann biológico e a medida era meio copo para cada cinco quilos.

Após misturar os ingredientes era só amassar bem a massa e estava pronto. Colocava-se na caixa de massa. A massa amassada coberta com dois cobertores crescia cinco vezes. Chegavam as minhas tias para ajudar a fazer as bolas de massa. Cada cinco quilos de farinha dão de vinte a vinte e cinco bolas de pizzas. As bolas eram colocadas nos diversos tabuleiros, onde elas cresciam mais ainda. Algumas eram maiores para quem gostava de massa grossa.

Os tabuleiros eram caixas compridas de madeira, com uns quinze centímetros de altura e furos como alças nas pontas para encaixar as mãos. Esses seis tabuleiros eram os nossos curingas, empilhados ao lado do forno não ocupavam espaço, apoiados nas cadeiras de abrir. Nisso já era meio dia e o forno aceso desde cedo estava no ponto para começar a fazer os discos. Era vassourar com um pano de saco de farinha molhado, depois de ter empurrado todas as brasas para o lado e estava pronto para usar. Nossa mesa de abrir massa era uma mesa com tampo quadrado de mármore branco.

Jogava-se farinha na mesa e com o rolo de madeira a gente ia abrindo todas as bolas com cuidado para não deixar os discos ficarem muito finos ou furados. Forno pronto e limpo eu sempre jogava um pouco de farinha para dar sorte. O pizzaiolo tinha quatro ferramentas: a pá de madeira para colocar a pizza, a pá de alumínio para conseguir tirar a pizza, um sarrafo de três metros com prego na ponta para enrolar o pano e limpar o forno, e a mesa de abrir massa que agora servia para preparar a massa na pá e de apoio, pois ela tinha a altura da beirada do forno.

Todo disco aberto antes de ir para o forno, a gente colocava uma colher pequena de banha e cobria com o molho de tomate que a minha mãe preparava sempre com um pouco de manjericão, colhido no canteiro da frente da casa.
Eram os nossos segredos, não espalhem… Um instantinho no forno quente o disco semi-pronto estava pronto. A gente tentava transformar todas as bolas em discos antes do povo chegar e ia colocando nos tabuleiros uns sobre a metade dos outros. Na mesa grande ficavam travessas de ingredientes para montar as pizzas.

O que mais usávamos era o molho de tomate que ficava numa grande bacia de porcelana branca, e muita mussarela fatiada na bacia de alumínio com água para não grudar. Minha mãe e minhas tias preparavam uma variedade de ingredientes: presunto e lingüiça fatiada, dúzias de ovos duros, queijo parmesão, pimentas verdes e vermelhas, pimenta do reino, azeitonas verdes e escuras, cebolas fatiadas na água, quilos de alhos já descascados, orégano, aliche, toucinho defumado, cogumelos, tomates, picles, e sei lá mais o que…

A que eu mais gostava era a de toucinho, pois os toucinhos eram fatiados em pequenos pedaços e colocados no disco, não muitos, um punhado e ao sair do forno, muito queijo parmesão e um pouco de azeite Galo. Quando eu poderia imaginar uma pizza doce?! Indecente. Mas a idéia era essa. Com todos aqueles discos prontos, quando as pessoas chegavam cada uma montava a sua pizza, com os ingredientes preferidos às vezes inventando pizzas mistas, entende meu caro leitor?

O forno era tão grande que cabiam três pizzas por vez, e do lado ficavam as brasas sempre com uma madeira em cima queimando para a gente ver quando as pizzas ficavam prontas. Depois de umas duas horas eu mudava as brasas para o outro lado e usava o lado quente do forno. Provava um pedaço de cada tipo que fazia para ver se estavam boas e tomava uma cerveja, pois o calor era bravo. Chega o Antonio, o espanhol que estudava comigo no Coração de Jesus, isso em 65. Prepara sua pizza, e vai comer.

De repente, ele sai do salão correndo pelo quintal, avança na torneira mais próxima e acho que bebe três litros de água. Roxo como uma beterraba, que a minha mãe não usava como ingrediente, ele está com um lenço molhado dentro da boca e sem tirar o lenço, consegue então respirar e falar alguma coisa… – Pó Pedro! Você não falou que era pimenta!

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