A tia Nilza

Lendo o texto da Dona Vera, "Caso do caderno", fui transportado lá para o Tatuapé na década de 50, morando na Rua Tuiuti, lembrando-me da minha prima Mirtes e da tia Nilza. A Mirtes é filha da tia Carmem (irmã mais velha do papai), primeira neta, portanto mais velha, já sendo maior de idade, enquanto eu tinha apenas sete anos. Eu e o Paulo éramos paparicados pela prima e pelas tias, onde ela nos levava aos domingos na sessão das 10h do Cine Metro, para assistirmos ao festival de desenhos Tom & Jerry. Tínhamos que ir de terno e gravata, presente da tia Nilza. Aliás, a maioria das roupas era ela quem dava. <br><br>Geralmente, íamos à casa da vovó, que morava na Rua André Vidal, travessa de Felipe Camarão, aos sábados, onde sempre tinha um presente para nós. Usávamos ainda calças curtas e na época não usávamos cueca, no que chega a tia com uma calça nova para experimentar, e eu sem nenhum pudor (inocência da criança) tirava as calças ficando pelado no meio da sala, ouvindo só risos das titias Nilza, Filinha, Lourdes e da vovó. <br><br>A tia Nilza, além da sua bondade, era muito bonita, comparada com a atriz hollywoodiana Ingrid Bergman, deixando o Tio Antero apaixonado, casando-se com ele em uma cerimônia simples (vestido da noiva feito pela mamãe Dona Helena), apesar de ser muito rico. Foram morar no Bairro do Pari, nas imediações da Rua Rio Bonito (não recordo do nome da rua), em um casarão (uma mansão) com cinco empregadas. Não teve filhos, adotando uma menina depois de algum tempo de casada, em razão da vida monótona em que vivia, sem nada para fazer a não ser ler revista o dia todo. <br><br>O jornaleiro entregava todos os dias as mais variadas revistas e gibis. Meu tio era delegado de polícia, apesar de ser rico e ter familiares em Portugal nunca saíram do Brasil para uma viagem, resumindo a sua vida a viagens para Santos, onde tinham apartamento. Durante a semana, era uma visita para almoço com a sogra e outra com a vovó, sua mãe.<br><br>Aos sábados, geralmente vinha em casa trazendo modelos (retirados das revistas Capricho) de vestidos para mamãe costurar para ela. No guarda-roupa de casa tinha uma parte com mais de 20 cortes de vestidos deixados pela titia. A mamãe tinha dois vestidos já prontos e um para ajustar, dando um pulo em sua casa, onde eu a acompanhei. Recomendava a mamãe: assim que a titia te beijar não limpa o rosto com a mão que é falta de educação (ela me agarrava e beijava, beijava sabendo que eu não gostava e ria). <br><br>Chegamos lá em uma tarde de quarta-feira e fui recebido com os beijos, me deixando a vontade na sala com aquela pilha de gibis, me espalhando pelo chão, enquanto elas foram para o quarto experimentar os vestidos. Assim que terminaram, passaram na sala me convidando para o lanche da tarde.<br><br>Epílogo<br>Dona Vera, sabe aquela cozinha de filmes americanos da época em que se tinha de tudo? O piso então, devia ser de porcelanato de cor azul brilhante, lindo, lindo, parecendo que eu estava andando no céu. A mesa era toda branca e enorme, com cadeiras almofadadas. O que tinha em cima para o nosso lanche você nem imagina. Sabe essas padarias modernas de hoje, em que a moda é tomar café da manhã nelas, em que se tem de tudo? Agora, imagine aquele garoto “caipireis” e envergonhado, é convidado para sentar-se a mesa, que olhando pelo rabo dos olhos fica admirando tudo aquilo, mas que maravilha, se coubesse tudo no meu estômago garanto que comeria tudo. <br><br>Fiquei imaginando sabe Dona Vera? Aquele desenho do Pica-pau na casa do Leôncio, onde ele faz aquele lanche enorme e enfia tudo na boca, queria ser ele naquela hora. Meus olhos percorriam a mesa de ponta a ponta tentando saber o que comeria primeiro, tendo guloseimas que nunca tinha visto em minha vida. Com o rabo dos olhos eu olho para cima e vejo a mamãe com aquele olhar 52, cara amarrada tentando transmitir telepaticamente as regras sobre o meu comportamento que, resumindo, era para eu dizer que não estava com fome e agradecer (mas que mentira). Olho na mesa, olho na mamãe, olho na mesa e sou despertado pela titia que diz: José, posso fazer um sanduíche para você? Eu olho na mesa, olho na mamãe, olho na titia, respondendo que sim. A titia corta o pão e pergunta: José o que você gostaria de comer primeiro? Apontando para tudo aquilo! <br><br>Dona Vera, eu juro para a senhora que as palavras que saíram da minha boca não foram ditas por mim e sim pela "lombriga", ou melhor dizendo, pela "solitária" que tinha dentro de mim – Titia eu quero de tudo – A titia era só risos e a mamãe quase teve um treco. Dona Vera, essa é a história da titia Nilza em que o seu "caderno" me transportou para meu tempo de criança e me fez lembrar desse dia passado na casa dela, em que me deixou com muita saudade. Forte abraço…<br><br><br>E-mail: [email protected]