A primeira vez a gente nunca esquece

“II Grupo Escolar do Bairro do Rio Pequeno”.
 
“São Paulo, 11 de fevereiro de 1963”.
 
Após nos posicionarmos em fila e ter entoado o Hino Nacional defronte ao prédio localizado na antiga Estrada Quatro, ainda sem asfalto, atual Avenida José Joaquim Seabra, adentramos na sala de aula. Com o giz branco, Dona Lurdinha desenhara essas letras na lousa. Assim, em uma tarde de verão, teve início o meu primeiro dia de aula naquela escola. Na verdade até então não sabia ler, mas a dedicada mestra explicou em detalhes às crianças o que traçara no quadro negro.
 
Ainda assustado com a novidade, trajando camisa branca, calça curta azul-marinho e calçando o novo Conga azul chegara a minha vez e, todo nervoso e sem jeito, apresentei-me balbuciando meu nome.
 
A estrutura do prédio era toda de madeira. Dois galpões em tom azul desbotado pelo tempo, sobrepostos em pequenas colunas de tijolos à vista, que comportavam duas salas de aula. O teto não tinha forro e podiam-se notar as vigas cruzadas sustentando o telhado de amianto e as janelas enormes apresentavam algumas vidraças quebradas, talvez por pedradas.
 
Dispostas em fileiras carteiras duplas de madeira já desgastadas pelo tempo acomodavam a todos. À frente uma pequena mesa e uma cadeira destinada à professora, ao fundo dois armários que um dia foram envernizados completavam o mobiliário.
 
Naquele dia nossa primeira atividade foi desenhar pequenos círculos até completar a folha. Caderno aberto sobre a carteira, lápis na mão e as “bolinhas” irregulares iam se distribuindo sobre as linhas. Então com toda a paciência do mundo nossa professorinha passou pelas carteiras elogiando a arte de cada um.
 
De repente, ouve-se o tilintar da sineta tocada pelas mãos da servente, assim era denominada aquela que ainda não chegara a bedel. Hora do recreio, algazarra em profusão no enorme terreiro empoeirado a céu aberto que circundava o imóvel. Não havia muros para delimitar onde terminava a escola e começava o imenso matagal morro acima. Uns corriam para os banheiros situados nos fundos da escola, outros devoravam a lancheira. Para os que não trouxeram merenda era só descer até a pequena cozinha, única edificação de alvenaria posicionada à entrada daquela construção rústica, e apanhar um kit. 
 
Enquanto os meninos corriam de um lado a outro no pega-pega, as meninas brincavam de roda ou pulavam amarelinha.
 
Novamente o tilintar da sineta, hora da segunda parte. As crianças voltaram ofegantes, suados e descabelados, alguns com os uniformes manchados por algum alimento. Eu não poderia ficar para trás, sujara a camisa branca de terra e com certeza seria repreendido por minha mãe.
 
Agora na outra folha do caderno Dona Lurdinha pedira que desenhássemos um sol, depois uma árvore e uma casinha. Barbada, desenhar era comigo mesmo.
 
Antes que tocasse pela última vez a sineta daquele dia, ela escreveu na lousa “lição de casa”. Os meninos deveriam trazer uma folha de alguma planta qualquer, enquanto as meninas uma flor de acordo com a preferência de cada uma.
 
Anos mais tarde após os dois galpões serem criminosamente incendiados, naquele lugar o governo construiu um belo complexo educacional com classes modernas, uma quadra e um ginásio poliesportivo coberto. Durante o dia fora batizado de Escola Estadual Daniel Paulo Verano Pontes. À noite, funcionava o Ginásio Estadual Ministro Américo Marco Antônio, onde concluí o antigo ginasial.
 
Da “lição de casa” e daquela primeira vez eu nunca me esqueci, pena que aquele dia passou como um bólido, assim como rápidos foram as semanas, os meses, os anos…