Todos os sábados e domingos, às 8h da noite, ele fazia o “footing” na Praça Cornélia, no bairro de Vila Romana. Gostava de todos aqueles olhares femininos fixos nele. Deu um sorriso. Passou a mão direita sobre um pequeno sulco no queixo pontudo bem debaixo da bochecha. Seria uma espinha? Tirou do bolso de dentro do paletó um espelhinho oval. É espinha sim; porcaria, era só o que faltava, o que diria dele a Adelaide, a moça que ele estava flertando? Levantou-se do banco da praça, deu um jeito na cinta, subiu a calça acima da cintura do umbigo, olhou de lado para a silhueta esguia na sombra da luz do poste de iluminação, para constatar que a barra da calça não estava arrastando no chão. Acendeu um cigarro Yolanda, puxou a fumaça para dentro dos pulmões e soltou-a pelo nariz como se fosse um dragão.
Colocou outro cigarro Yolanda nos lábios. Não conseguiu acendê-lo. Apalpou todos os bolsos do paletó a procura dos fósforos. Não tinha mais. Apenas achou o soco inglês de cabo de madrepérola que o amigo Kito tinha lhe emprestado, caso houvesse necessidade de usá-lo em alguma encrenca, sabe-se lá com quem, porque os concorrentes é o que não faltavam por lá. As moças desfilavam pelas passarelas da praça com seus vestidos rodados, recheados de anáguas, balançando os quadris como gangorras. O vestido da Adelaide era diferente das demais moças, muito moderno para a época, de organdi verde limão, todo coladinho ao corpo. O Azevedo usava uma camisa estilo Jean Sablon tão em voga na época, calça boca de sino cor cinza, sapatos de bico fino com salto ligeiramente carrapeta, paletó de três botões pretos, gravata de crochê que a Maria Rosa, filha do alfaiate da Rua Coriolano, tinha feito para ele, em homenagem a um amor mal correspondido.
Os pingentes dos brincos de argolas mexiam nas orelhas das moças caminhando de braços dados pelas calçadas da praça. A Bianca também estava fazendo o “footing”. Se atrasara um pouco. Tinha vindo de casa, na Rua Caio Gracco, e antes, porém, tinha tido uma ligeira altercação com a mãe.
– Que vestido eu visto mamãe?
– O verde.
– Está todo amassado.
– Então ponha o azul.
– Com aqueles babados horrorosos?
– Não tem outro. O jeito é se conformar.
– Mas e se o Nico não gostar do modelito?
– Ele que se dane.
Foi de encontro ao Nico, na Praça Cornélia. Chegou quando ainda não eram 8h da noite. Abriu a bolsa, mexeu na bolsa, fechou a bolsa. O Nico estava parado na esquina da Rua Crasso, defronte do boteco do Raimundo. Foi em direção dela. A Bianca estava na esquina da Rua Clélia olhando atentamente para os dois lados da praça. O Nico ficou atrás de um poste de iluminação pública. Procurava vê-la sem ser visto. A moça vez ou outra, quando dava chance, lançava um olhar disfarçado para os lados do boteco do Raimundo para ver se avistava o Nico. Os pés estavam doloridos na altura do calcanhar. O maldito sapato de pelica marrom que tinha ganhado de aniversário estava machucando os pés.
O José Maria também costumava frequentar a Praça Cornélia. Era o oposto do Nico. Usava o cabelo liso, besuntado de xampu de amêndoas e, para arrematar a franjinha caída no olho direito, usava a pasta de glostora. Ele também foi espairecer o espírito na velha Praça Cornélia. Parou na esquina da farmácia do Juca, e ficou sapeando o movimento. Viu a Silvana que passeava rente ao chafariz. No lado oposto, depois do chafariz, a porta da igreja de São João Vieney estava aberta e lá dentro, no lusco-fusco do átrio, havia uma luzinha vermelha acesa junto ao altar principal. Pensou no casamento do Kito com a Maria Oneide de Nazaré Paulista anos atrás, naquela mesma igreja, sobre o comando do padre Moura e que tudo tinha acabado em nada.
O Lambe-lambe que costumava aparecer todos os domingos pela manhã, depois da missa, aproximou-se do casal de pombinhos. O Nico concordou logo em tirar uma fotografia. Porém, a Bianca relutou. Tinha vergonha, diante de muita gente ao redor da praça. Só se fosse ao lado da Rua Clélia. O fotógrafo demonstrou que o melhor lugar era ali mesmo, na escadaria da igreja. O casal perfilou-se diante da objetiva. O fotógrafo levantou o pano preto e não gostou da posição. Deu dez passos atrás. Estudou o efeito olhando através da objetiva. Ótimo. Enfiou a cabeça de novo debaixo do pano preto. Magnífico. Ninguém se mexe! Atenção, o homem da fotografia solicitou um sorriso artístico do casal. Pronto, “click”, estava registrado para a posteridade aquela foto histórica.
Ventava na praça. O Guto usou dez palitos de fósforos para acender um cigarro. Estava nervoso. Ele estava parado no meio da praça e havia se engraçando com a Balbina. Primeiro ficou desapontado quando ela trocou sorrisos com o Arthurzinho da Santa Marina, depois quase chorou de raiva, quando os dois foram passear de mãos dadas pelas cercanias da Rua Clélia. A Filomena teve um ataque de nervos, quando soube que o Ismael tinha começado um romance com a Lurdes, filha do sapateiro da Rua Coriolano. O Ismael era o seu favorito. Mas não haveria de ser nada. O Nanico estava a sua disposição e para namorá-lo bastava um sorriso e nada mais. O Aramis, todo empoado, parecia um pavão depenado, estava disposto a conquistar a Silvia, a moça dos cabelos encaracolados e ruivos.
O cabo Nicácio, do glorioso exército brasileiro, também desfrutava nas horas de folga um passeio pelas calçadas da Praça Cornélia. Vinha montado em uma motocicleta “Indian” do comando militar e que fazia o maior sucesso entre a mulherada. Odete, Gioconda, Tereza, Sonia, Suzana, Raquel, todas elas queriam e estavam dispostas a darem uma volta na garupa daquela máquina maravilhosa. Mas como tudo nesta vida passa, a velha Praça Cornélia também passou. Ela ainda está lá, no mesmo lugar de sempre, porém sem aquelas figuras que protagonizaram um tempo feliz, de saudosa memória da nossa velha e sempre querida mocidade.