Plena madrugada, frio de início de inverno e trânsito ameno nesta São Paulo que não dorme.
Vínhamos de uma festa de casamento e, como sempre, meu filho dirigindo.
Paramos num semáforo e, de repente, uma leve batida no vidro da porta do carona. Olhei e vi uma pedinte. Num gesto quase automático, fiz, com as mãos, o clássico "Ah, não enche" e virei o rosto.
Lentamente, creio que inconscientemente, voltei os olhos e a vi pelo retrovisor lateral.
Devia ter uns dez anos, idade de meu netinho mais velho.
Mal vestida, cabelos desalinhados, corpo franzino e um rostinho bonito, porém com um ar de tristeza, como que carente de amor e de aconchego de um lar.
O semáforo abriu e o carro partiu. Pelo espelho lateral continuei olhando-a. Veio-me o remorso pela indelicadeza e desumana atitude que tive em um ato impensado e, apesar de perigoso ser, e do risco que poderíamos correr, exclamei:
– Pare!!! Pare!!!
Nem perguntou, como que adivinhando o porquê de tal pedido.
Parou logo à direita e desci: e ao encontro da mesma fui. Ela me viu e um sorriso brotou em seus lábios.
Aí que percebi um casal, ainda jovem, maltrapilho, com uma mala ao lado, sentado na calçada e encostado em um muro, com um cobertor mirrado a lhe cobrir partes dos corpos e uma criança dormindo no meio de ambos.
Deu para perceber que não eram "bebuns", e nem "vagabundos profissionais". Mas uma família, quem sabe, se o destino foi ou está sendo ingrato? Não sei…
Disse-lhes um alô: – Tá meio frio, né? A menininha ao meu lado, quase que querendo pegar em minhas mãos e agora com um sorriso pleno e um olhar iluminado a me presentear. Do interior vieram e para lá pretendiam retornar. Acreditei!
Ouço um leve toquinho de buzina. Dei-lhes o que tinha nos bolsos.
Levantaram-se; apenas a criancinha na "cama" ficou. Só faltaram me beijar as mãos. A menina toda radiante, exclamou: – Estamos juntando dinheiro para irmos embora, agora acho que dá, pois faltava só um pouquinho mais! O que os pais confirmaram, com um aceno de cabeças, sorrindo e agradecendo com os olhos…
Se retornaram? Não sei, mas felizes ficaram.
Dormi tranquilo e com a consciência em paz e talvez mais feliz que eles.
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