A galeria

Os amigos perguntavam: <br>- “Mas… Você vai lá mesmo? E como vai entrar? Tem certeza?”<br><br>Eu apenas respondia:<br>- “Claro que vou! Esperei mais de um ano por isso, agora tenho que ir!<br><br>- “Quanto você vai pagar? Não é perigoso levar dinheiro vivo?<br><br>Eu respondia:<br> – “E vocês acham que eles vão me vender se eu não pagar em dinheiro?”<br><br>- “Toma cuidado, você quer que eu vá junto? Fico na porta te esperando?”, perguntava o Zé Carlos<br><br>Eu dizia:<br>-“Que nada! Vou sozinho, compro e trago pra vocês verem que maravilha é curtir uma legitima”.<br><br>Chegou o grande dia! Peguei o ônibus elétrico que saia de frente da Padaria Novo Mundo, o velho 107 que tinha ponto inicial no Largo São Bento. De lá, era pegar a Rua Florêncio de Abreu, descer a Ladeira Porto Geral e cair na Rua 25 de Março para então adentrar no templo do contrabando de São Paulo, como diziam na época. Era lá que eu ia comprar o bem precioso, aquilo que me igualaria aos amigos e me faria vistoso para as meninas em flor. <br><br>O dinheiro, bem guardado no bolso, estava na quantia exata, se o preço tivesse subido eu voltaria de mãos vazias e aí seria pelo menos mais um mês de total economia e abstinências.<br><br>Fui andando entre a multidão que na sua pressa paulistana me esbarravam e se esbarravam sem olhar para trás. Ruídos,mercadorias, tipos estranhos, mulheres que me fitavam com olhos lascivos fazendo pequenos sinais. Eu apressava o passo ainda que fosse atraído pelas vitrines onde de tudo se vendia: roupas, cigarros, canivetes, revistas de mulheres e cigarros americanos.<br><br>O velho centro da cidade era um mundo em si mesmo onde era possível ver coisas que nas ruas de nossa Santana jamais aconteceriam. De repente me vejo diante do endereço buscado, um prédio sombrio, com poucas pessoas que saiam segurando embrulhos e olhando desconfiados. Fiquei alguns minutos diante dele pensando se deveria entrar mesmo por aqueles corredores escuros e buscar o lugar onde a maravilhosa coisa seria vendida e que só lá naquele lugar era possível ser encontrada naquele tempo.<br><br>Vencido o medo, entrei e comecei a subir as escadas para acessar andares ainda mais sombrios, com pequenas portas onde era possível ver pessoas lá no fundo passando dinheiro vivo e saindo com pequenos volumes.<br><br>Detive-me diante uma porta e perguntei: <br>- “Você vende aqui?”<br><br>O vendedor respondeu:<br>- “Claro!”<br><br>E então perguntei:<br>-“Quanto?”<br><br>E fiquei esperando a resposta, desejando que o preço fosse o mesmo que meus amigos falavam há meses, senão…:<br>- “25 mil cruzeiros”, o moço respondeu.<br><br>Foi como se um trem tivesse sido tirado das minhas costas, eu tinha no bolso 27 mil, inacreditavelmente o preço havia diminuído! <br>- “É a cotação do dólar”, o moço me disse.<br><br>Ao ouvir a palavra dólar naquele ambiente me senti no velho oeste, diante de uma mesa de pôquer. Rapidamente pedi o que queria e o vendedor me trouxe a maravilha, que fitei com olhos esbugalhados.<br><br>Mal tirei o dinheiro do bolso o vendedor o pegou e já foi me passando o pacote, que levei junto ao meu corpo. Sai caminhando a passos rápidos, como se estivesse fugindo de alguém.<br><br>Ao chegar a minha casa, os amigos vieram ver. Abri aos poucos o pequeno embrulho e ela se revelou! Aquele azul maravilhoso que com o tempo ficava mais lindo, o símbolo de nossa geração, a senha para o coração das meninas em flor. Fui tirando-a do papel erguendo-a para que todos vissem preso na parte de trás o rótulo: “Lee Riders, an original american clothing".<br><br>Como esquecer a primeira calça Lee? Ainda mais quando comprada na velha Galeria Pajé, no final de 1969? Ah bons tempos…<br><br><br>E-mail: [email protected]