A confeitaria Guarani no Braz

Nos anos 40 eu fazia o elementar no Grupo Escolar Romão Puiggari na Rangel Pestana e depois das aulas a gente saia e na calçada cobiçava as coisas que eram oferecidas pelos vendedores na porta da escola. Era sempre uma festa, o algodão doce, o tamarindo (muito azedo), o jatobá que era uma fruta marrom de casca dura e grossa com um miolo amarelado e a gente comprava e depois de comer aquela massa esquisita usávamos o caroço para fazer anéis, o machadinho ou quebra queixo, a pipoca americana que vinha em pacotes prensados, a raspadinha que era gelo raspado com sabores de groselha, limão, abacaxi, os pirulitos, as paçocas de amendoim, as línguas da sogra (Canoli) que era um tubo de massa frita recheado com creme de baunilha ou de chocolate e tantas outras guloseimas de dar água na boca.

Na saída, íamos caminhando em direção a Rua Caetano Pinto, onde morávamos, e passávamos pelo edifício Ouro Preto, que era um prédio novo com a pizzaria no térreo, do outro lado da Rua Piratininga outra pizzaria e logo em seguida a confeitaria Guarani e parávamos sempre na porta para olhar as vitrinas de doces, a gente os devorava com os olhos porque, na realidade, seus preços eram maiores que a nossa vontade.

Lembro que naquela época as geladeiras não eram elétricas e todos os estabelecimentos usavam barras de gelo para conservar os alimentos gelados. No quintal onde eu morava, era um empório e padaria, e toda a manhã vinha um caminhão entregar uma ou duas barras de gelo para as caixas que faziam o papel de geladeiras para conservar os laticínios que poderiam se deteriorar fora delas como as mortadelas, salame, queijos etc.

Dependendo do tamanho do estabelecimento e do número dessas vitrines e caixas que faziam o papel de geladeiras os entregadores de gelo vinham mais de uma vez ao dia. E a tradicional Confeitaria Guarani era uma delas. E quando saímos da escola quase sempre encontrávamos os caminhões entregando as barras de gelo. Eram sempre uns três homens que trabalhavam na entrega. Um ficava no caminhão e com um serrote especial bem pontiagudo e em arco serrava as barras nos tamanhos próprios para serem carregados pelos que ficavam levando o gelo para dentro do estabelecimento. Estes protegiam o ombro com um saco de estopa (naquela época ainda não existia o plástico) para facilitar o carregamento, pois poderiam escorregar e para não molharem as camisas.

Quando essa entrega era feita na nossa saída da escola, eu e o Pedrinho Careca, meu amigo inseparável, ficávamos esperando as lascas do gelo que caiam das barras e agarrávamos os pequenos pedaços para chupar o gelo. Coisa anti-higiênica, mas coisas de criança que éramos. Lembro que em um desses dias e na espreita de uma dessas lascas um dos homens deu uma lasquinha para o Pedrinho e eu fiquei de olho no serrador, e quando vi um pedaço cair ao lado da barra eu tentei alcançá-la quando esse homem me bateu com a ponta do serrote propositadamente em cima da minha mão, eu dei um berro e ao ver o sangramento na minha mão comecei a chorar, e logo as pessoas que passavam no local procuraram me acudir e perguntavam o que tinha acontecido.

Nessas alturas o sujeito foi para o fundo do caminhão como se ele não soubesse o que tinha acontecido. Ele foi perverso, pois eu não estava fazendo nada de mais. Alguém foi chamar o guarda civil que ficava na esquina orientando as crianças na travessia na esquina da Piratininga. E quando o guarda apareceu, ele me acusava de ter posto a mão, quando ele serrava a barra, o que era mentira. Os próprios companheiros dele que carregavam as barras balançavam a cabeça desaprovando o seu ato. Aí, o gerente da confeitaria me levou para dentro e me fizeram um curativo. Fui para casa chorando e minha mãe voltou comigo até a confeitaria, mas o caminhão já não estava mais lá. E o gerente garantiu que ele já tinha feito uma queixa com a companhia entregadora e que não queria ver aquele sujeito entregando lá no seu estabelecimento e seria bem provável que ele iria ser demitido por aquele ato irresponsável. E aí minha mãe procurou esconder o que aconteceu do meu pai, pois ela tinha receio da sua reação.

Depois disso, nunca mais vimos aquele sujeito de volta naquelas entregas e também nunca mais encostamos naquele caminhão.