Foto: Jose Cordeiro/ SPTuris

Brás nos anos 70

Há alguns dias, caminhando pelas ruas da Vila Mariana, bairro em que moro, observei um motoqueiro xingar um motorista e chutar a porta de seu carro, por este não lhe ter dado passagem. Seria uma cena corriqueira, não fosse o fato de que tal motorista, assim como outros que vinham em seguida, acompanhava um cortejo fúnebre, com pisca-alerta ligado e adesivos com cruzes pretas nos vidros traseiros.

Quase que de imediato remeti-me às memórias de minha infância e às ruas do Brás. Nasci e vivi na Mooca até os seis anos, quando minha família e eu nos mudamos para a Rua Vinte e um de Abril. Morávamos no nº 322. Meus avós paternos (Maria e Giácomo), no nº 303, onde também funcionava uma pequena empresa familiar produtora de molas de variados tipos e estrados de madeira para camas, a Domingos Renna & Cia (Estrados Paulista), na qual meu pai (Domingos Roggério) trabalhou desde os oito anos de idade até semanas antes de falecer aos 80 anos. Domingos Renna foi tio de meu pai e sócio da empresa juntamente com meu pai e meu avô. Residia com sua família no nº 315.

Eu era criança quando meu avô morreu no início dos anos 70. O velório foi em sua casa e muitos conhecidos e parentes compareceram, dia e noite, para despedirem-se. Quando seu corpo enfim seguiu para o cemitério, as pessoas se postaram nas janelas e portas de suas residências e os comerciantes baixaram as portas de seus estabelecimentos, em sinal de respeito: o Sr. Faria, da Casa Faria de material de construção, que ficava na esquina das ruas Vinte e um de Abril/ Brigadeiro Machado; o português (como o chamavam) do bar na esquina oposta; o Sr. Damásio, que conduzia seu empório com a esposa (Dona Fortunata) e a filha (Jacira) e vendiam fiado seus produtos, em confiança, anotando em caderneta para pagamento posterior; o dono da queijaria ao lado do empório.

O trânsito parou esperando o cortejo seguir. Não se ouviu som de buzina ou xingamento. Outros tempos. Outros valores. Mudam-se os valores, mas respeito ao próximo é algo que nunca deveria deixar de existir.