Escultura na Avenida Ipiranga e Avenida São João. Foto: Jose Cordeiro/SPTuris

Insistir na graça da agonia

Saudosismo: Valorização do passado. Movimento literário essencialmente poético.

Fico muito zangado de não poder viver numa cidade como São Paulo. Aquela em que estudei, compartilhei com os amigos e, principalmente, com a família. Liquidaram com ela e isto não é saudosismo, mas realidade. Eu creio que a coisa mais difícil para a plebe ignara admitir é a força da realidade.

Muita gente acha que eu sou recalcitrante, teimoso e cabeçudo. Porém, esquecem que eu posso ser obediente, flexível, brando e tratável. Considero toda opinião, a qual algumas vezes são opostas ao meu modo de pensar, mas as valorizo – sempre. Não gosto de comparar certas coisas: minha casa com a do vizinho; minha cidade com o resto delas todas. Fico muito magoado, e repito, com o que aconteceu e acontece com nossa São Paulo.

A cidade parece ótima, não é verdade? Mas a realidade é outra – completamente. Tenho lido – e muito – os textos escritos no “São Paulo Minha Cidade”. Todos eles, sem exceção, relatam suas vidas de anos atrás. Saudosos daquela cidade da garoa bela e educada; segura e poética. Quase na sua unanimidade perguntam: o que aconteceu com São Paulo?

Bandido não se fabrica. Bandido não é raça ou pedigree. Ninguém nasce malfeitor. Há quem diga que a pior coisa é desperdiçar uma mente. O que aconteceu com o nosso ensino? A falta de educação escolar é o fulcro de todos os males, quer numa cidade, quer num país. Ah! Mas todo mundo sabe disso… São Paulo é o que é hoje por força exclusivamente da falência do ensino, e ponto final. Nietzsche escreveu num dos seus livros: “Contra a ignorância até os deuses falham.”

Eu gostaria de saber sobre essa quantidade exuberante de marginais, de toda a espécie, que invadem a cidade, qual é a escolaridade de cada um deles? Dê um passeio pelas cadeias e confira quantos deles terminaram o curso ginasial ou superior. Ah! Isto todo mundo sabe… A falta de escolaridade espalha-se por todas as classes de entidade ou pessoa. E são esses indivíduos parvos que acabam governando a prefeitura, o estado e o país.

Para o povo, a realidade é um bicho papão; obra divina; deve ser aceita; é o que é; é fatalidade.

Realidade se produz. Não se compra do bar da esquina. Dizem que a força está no voto. Tem razão. Cada povo tem o governo que merece. O povo permitiu que São Paulo veio a ser o que é.

Na minha juventude de estudante fui detido duas vezes por protestos na defesa de São Paulo. Tenho muito de meu falecido pai que lutou em 1932. Quando alguém diz “minha cidade” significa dizer “minha casa”, “meu reino”. Ora, se é sua casa, como você permite deixar que as coisas aconteçam? Uma delas e importante é a migração desordenada e incontrolável de gente que tomou conta da cidade, com o intuito de oferecer mão de obra barata, contribuíram para o caos atual. Ah! Mas são brasileiros também…

Apenas foi esquecido que esse mutirão, sem educação escolar e de berço, um dia procriar-se-ão e multiplicar-se-ão como os pães. Seus descendentes continuarão ignorantes e assim por diante. Pobres migrantes encontraram trabalho, mas foi-lhes negado escola assim como para todo o resto da população. A procriação do homem, no sentido lato da palavra, é incontrolável; inexorável como o tempo. Se assim o é, a cada pirralho que nasce, traz consigo uma vasta lista de necessidades. Ignorá-las é faltar com Deus.

A elite (cuja classe está gradualmente falindo) ainda pode garantir sua escolaridade sem necessitar das providências governamentais, mas não crescem em número suficiente para controlar a massa ignorante. O serviço público está falido e todos nós sabemos disso. Eu acredito que muitos perguntam: mas o que fazer para “consertar” esta cidade de 458 anos? Talvez um outro Jânio da Silva Quadros? Ou Adhemar Pereira de Barros? Que tal um outro imbecil como coronel Américo Fontenelle para o trânsito? Ou o maior psicopata que a nossa polícia já teve, o Sr. Astorige Correa de Paula e Silva, mais conhecido como “Correinha” do esquadrão da morte, para acabar com a Cracolândia?

Pasmem, nada poderá ser feito para São Paulo voltar a ser uma cidade respeitosamente habitável e sem grades. NADA. Se alguém tiver uma solução, eu ficaria gratíssimo em poder saber. Atualmente os moradores fazem das suas casas e singela redondeza o seu pequeno mundo. Evitam sair para muito longe e à noite nem pensar. Atentos às motonetas prontas para lhes assaltar. Em 1974 um amigo me disse: “Os ladrões vivem soltos e nós moramos dentro das grades de nossas casas…” São Paulo está com câncer e morrendo a cada dia. Se não acreditar continue a insistir na graça da agonia.