Passo pela Rua Curitiba. E ali onde nela deságua a Tumiaru, detenho-me à porta da EMEI Heitor Villa-Lobos. A qual, conforme a placa indica, funciona desde 11/11/1970. Então, recuo no tempo, no anti-horário: estou naquele mesmo lugar, segurando a mão de minha mãe, manhãzinha. Isso em 1952, eu com cinco anos. De calção azul (de brim?), camiseta branca (Hering?) e calçando alpargatas Rodas, azuis, solado de corda – sem cadarço, só de "encaixar" no pé, escapava fácil. E ainda segurando um saco azul (embornal) de amarrar, com petrechos: pasta, escova, sabonete, toalhas… As meninas, tudo igual, cor vermelha. O meu turno era o matutino, das sete às onze, acho. Pois agora, eu olhando até onde dá para ver, do portão, a mim me parece a mesma edificação: térrea, tijolinhos vermelhos. É claro, muita coisa ali mudou. A mesma placa informa que o lugar fora originariamente inaugurado há 09/12/1947 – duas semanas antes de eu nascer. Um (então) dos mais belos da Cidade, o "Parque Infantil do Ib irapuera". A evolução natural das diretrizes pedagógicas levou aqueles parques infantis a que originassem as atuais EMEIs, não? Mais ou menos isso.
Linda praça, hein!
É obvio que com o tempo muito mudou a Curitiba, de enormes casas de jardins e quintais: encheu-se de prédios tão altos quanto chiques. E de um lado só da Rua. Interessante que, do outro, da 23 de Maio até Abílio Soares, nem uma residência sequer. É um extenso quarteirão, no qual – um contíguo ao outro – moram o Clube Escola Modelismo (anos 50, descampadão, rudes campos de futebol de terra – um perto do outro: a bola de um jogo invadia o vizinho); a atual EMEI (à frente da qual a Curitiba se alarga até atingir a belíssima Praça Carlos Gardel); e o Círculo Militar que, daquela época para os dias de hoje, cresceu muito. À porta da EMEI de há muito não passa mais o 48 – Paraíso, o qual morreu de "desnecessarite" aguda. Assim como morreu a mãe dele, aos 50 anos, dona CMTC: de "falência crônica múltipla dos órgãos administrativos". Deixou, como sabemos, filha que nasceu grandinha já, a SPTrans. Praça Carlos Gardel, um exemplo para a Cidade: grande, linda, árvores exuberantes, limpi nha e bem cuidada. Só pode ser o cantor franco-portenho, de linda voz e canções mais ainda. Porém – não querendo ser espírito-de-porco, por que não homenagear algum paulistano ou paulista? Dos muitos que, de grande valor na cultura popular ou na vida da Cidade, restaram esquecidos. É que denominar logradouros é prerrogativa de vereadores, como sabemos – como se eles tivessem procuração da história da tradição. Vereadores muitos que não têm afinidade alguma com a Pauliceia: meros oportunistas. Por exemplo, a Rua Timbuí cedeu seu nome para o de um… restaurante! Praças, viadutos, túneis, ruas e avenidas há de monte com homenagens desmerecidas (para com a Cidade!).
O grande retângulo verde
O referido parque infantil era um enorme terreno retangular, todo gramado e com árvores, se bem me recordo. Caprichosamente abraçado por uma cerca-viva de folhas grossas. Lembro da pista circular de terra na qual nós, molecada, fazíamos ginástica e corríamos gostosamente. Brinquedos vários. Algum "moleque", daquela época, estaria na sintonia? Tempo em que o Parque do Ibirapuera ainda estava em construção. Assim como o Círculo Militar. Idem o majestoso Ginásio do Ibirapuera. Havia trechos de ruas de terra ainda naquela região. Onde a Assembleia Legislativa, extenso terrenão vago. No canteiro central daquela que viria a ser a Avenida Pedro Álvares Cabral, altas paineiras floridas. A Rua Charles Camoim era a Travessa Paranaguá, de placas vermelhas. E a Hermano Ribeiro da Silva, creio que com outro nome também. Pouco distante dali, a Estela ainda não chegava à Tutoia: parava, num matagal, na Oscar Porto, ao lado do campo do Olimpicus. Ainda hoje majestosa, uma enorme tipuana na e squina de Joinville com Pirapora: a julgar pelas rugas de seu grosso tronco e suas folhas grisalhas, certamente terá visto gerações de molecada indo ao parquinho e dele voltando para casa. Lembro de que algum dos coleguinhas me dizia morar na Brigadeiro, dali até não tão distante assim. E que ela "terminava em Santo Amaro". O que não era tão exagero, certo? Quase que.
Gente bacana!
Daquele parquinho, nomes e fisionomias repousam no arquivo-morto de minha memória. Pouquinho porém vem à tona. Dr. Érico, o dentista do Parque – cujo consultório, perto da Estação dos bomdes, frequentei até quase adolescente (mas já com medão de adulto, não obstante). Dr. Osvaldo, o médico pediatra igualmente querido da criançada; Dona Mariinha (acho que era assim), carinhosa e atenciosa conosco, uma das "professorinhas" (diminutivo de carinho). Ouvia falar que ela morava num casarão da Domingos de Morais, o qual teria correspondido à Vila Kyrial. Terá sido? Só me lembro deles três. Justiça seja feita – anonimamente – aos outros servidores que igualmente distribuíam carinho e atenção àqueles paulistaninhos do lugar. Faz muitíssimo tempo, mas fica a gratidão. Eterna.
1006
Brincadeiras, brinquedos e festinhas. Passeios como (muito vagamente revejo) o a Interlagos e à fábrica da Coca-Cola, imediações da Avenida Teresa Cristina. O onibusinho Chevrolet cor de papel pardo, da Prefeitura. Cada qual de nós trazia um número bordado a mão, no calção, na camiseta e no embornal. O meu – lembro sem hesitar – era 1006. Que minha mãe bordou, grandão, na camiseta. Sendo número de inscrição, significou que antes de mim mil e cinco outros paulistaninhos lá tinham estado.
Resquícios (de memória)
Daquele parquinho, só algumas lembranças: resquícios de memória. Ainda "vejo" o grande 1006 bordado, na camiseta e no calção (calção mesmo, não era short). Daqueles meus cinco e seis anos, restaram também duas moedas prateadas. Americanas, de umas quatro ou cinco que meu pai trouxera. Não dos Estados Unidos, mas do Cambuci, das oficinas da Light: lugar onde foram reformados e adaptados para a CMTC, em 1947, os bondes Gilda (Centex). Moedas que vinham, esquecidas, nos cofres de vidro, ou perdidas no piso dos carros. Que caíram sem perceber das mãos de passageiros lá na longínqua Broadway, de onde aqueles bondes procederam. Uma vez que passageiros desatentos sempre foram universais – em todas as linhas de bonde do Mundo afora: onde não se perderiam moedas? Como meu número 1006, eu é que não perdi – e sim ganhei. No tempinho do parque infantil, com o 1006 enriqueci minha infância: ganhei alegria e felicidade. Quem sabe é por isso que – dentre lembranças fugazes – a do 1006 persi ste, na minha memória: brilha como uma estrelinha do céu – nunca se apaga. Que fique, pois, este registro. Que memória paulistana é mais agradável que a dos parques infantis? Concordam vocês, ex-molequinhos?