Sei que vocês estão esperando uma história tenebrosa dos “anos de chumbo”, mas o que vou contar também é terrível e creio que muitos compartilharam comigo esse sofrimento.
Corria o ano de 1942. Segunda Grande Guerra Mundial no auge.
Eu já estava no 3º. ano primário do Grupo Escolar “João Kopke”, na Alameda Cleveland, próximo à Estação Sorocabana.
Naquela época, o Serviço de Saúde Escolar era bem atuante. Éramos examinados constantemente, nossa saúde era avaliada, recebíamos vacinas, éramos submetidos a banhos de luz, íamos ao dentista, etc., lá mesmo na escola, no prédio dos fundos.
Meus pais sempre foram muito atentos à minha saúde, mas eu era magrinha porque vivia com as amígdalas inflamadas. Não conseguia comer direito, tinha febre sempre. Sofria muito, pois tinha que pincelar sempre a garganta com azul de metileno. Era horrível!
A indicação foi comum na época: retirada de amígdalas e adenoides.
Lembro-me que marcaram a operação exatamente para o dia do meu aniversário, mas a mamãe pediu ao médico que adiasse. E, assim, lá fui eu no dia 8 de maio, para o Serviço de Saúde Escolar, no Largo do Arouche, sem ter ideia do que me esperava, mas totalmente encantada com a possibilidade de tomar quantos sorvetes quisesse.
Entro em uma sala branca, fria, toda azulejada, morrendo de medo. Aí, sou embrulhada como uma múmia em um lençol branco enorme que tinha sido levado de casa. Depois, colocam-me um avental grande de borracha e sentam-me em uma cadeira de ferro mais parecida com um instrumento de tortura medieval. Meus braços já estão envolvidos fortemente pelo lençol e o avental, mas ainda assim me atam com correias e prendem os meus pés, levantando um ferro da própria cadeira. Ai, ai, ai…
Acho que uma enfermeira segura a minha cabeça e o médico, com uma luz cegante refletida em um círculo de metal na testa, me manda abrir a boca. E eu abro…
Minha mãe contou que só ouviu, lá de fora, débeis gritinhos.
Depois em um quarto de recuperação, vi, em uma cuba, bolotas horrorosas que tinham sido extraídas de mim e esperei a minha recompensa: tomar todos os sorvetes que meus pais haviam trazido.
Mas, quem conseguia engolir? A dor era demais e a frustração maior ainda.
Hoje, sei que pouco se recomenda essa cirurgia e, se for necessária, será com anestesia. Mas, o que relatei, é a pura verdade com todo o horror que senti naqueles momentos.
Será que fantasiei um pouco? Será que a memória me traiu? Não sei, não…