Em 25 de agosto de 1914, o então prefeito Washington Luís instituiu em ato municipal a oficialização das feiras livres na cidade de São Paulo, criando os mercados francos em praças, avenidas e ruas, destinados à venda de vários gêneros alimentícios, sendo a primeira experiência do gênero realizada no Largo General Osório, centro de São Paulo, com 26 comerciantes; que na sua maioria eram produtores de hortaliças e frutas.
A segunda feira livre ocorreu no Largo do Arouche com adesão de 116 barracas, ampliando a oferta. Daquele início até os dias atuais se proliferaram as feiras livres, totalizando a cifra de aproximadamente mil feiras, de terça a domingo, pela cidade de São Paulo e controlado pela Secretaria Municipal de Abastecimento.
No bairro Jardim São Luiz, na região de Santo Amaro, houve adesão e paulatino crescimento das feiras, desde o início da implantação do bairro e que eram realizadas ao ar livre e sempre mudavam de local. Montava-se, às vezes, a feira na Rua Dois (atual Rua Satulnino de Oliveira) até as proximidades do “Abrigo”, antiga parada dos ônibus da Viação Columbia, ou na antiga Avenida São Luiz, atual Avenida Maria Coelho Aguiar, passando depois para a Rua 25 (atual Rua Dr. Octacílio de Carvalho Lopes); e outras como a Rua Um, no Jardim Brasília (atualmente Avenida Yoshimara Minamoto), onde se desenvolviam as costumeiras barganhas e as famosas pechinchas comerciais e ainda colocar em pauta assuntos pertinentes ao lugar.
Já naqueles “tempos áureos” havia o famoso “rapa”, fiscal que pertencia à Prefeitura de São Paulo, tentando manter a legalidade dos feirantes licenciados, que conservavam suas credenciais com as taxas pagas, para que não fossem prejudicados por uma concorrência desleal e fora das regras estabelecidas.
Há registros memoráveis de mais de meio século de serviços prestados à comunidade em feiras livres no Jardim São Luiz e que se fixaram no bairro e são realizadas às quartas-feiras e domingos. Pertencentes aos mais antigos feirantes locais a célebre família Teixeira, representada por dona Rosa, uma matriarca da mais perfeita origem dos patrícios, que possui o registro datado de 1959; os “fregueses” vão (ainda) em sua barraca e costumam adquirir couves, salsinhas, cheiros-verdes, verduras em geral que são vendidas em maços, e, no mais forte sotaque português, recebem o agradecimento: “Obrigado, até a semana que vem”.
Claro que toda esta “recitação” faz parte de uma salutar convivência entre aqueles que possuem barracas legalizadas e algumas que trabalham na informalidade e tem sua utilidade em pontos menores, perfazendo aproximadamente 65 barracas, mantendo viva toda graça e confusão, em uma “balbúrdia organizada” e sonora, cantando: “Hoje não se paga, mas também não se leva” ou “O que vai hoje, patrão?”.
Esses refrões e outros pormenores interessantes misturam-se com muitas conversas, ou como se diz, “dá-se muito pano pra manga”. Esta salutar convivência entre os comerciantes e os fregueses ainda transmite o ar das relações sociais de oferta e procura pelas mercadorias.
Nas feiras livres, misturam-se cheiros e odores diversos de muitas especiarias, em uma junção de barracas de pimenta, noz-moscada e uma vitrine de carnes, como língua de boi, rabada, buchada, fígado, frango retalhado; ou ainda o odor do caminhão de câmara frigorífica de peixes variados, que se misturam com cebolas e alhos de outra banca, onde à frente estão às peras, maçãs, laranjas, abacaxis, melancias, mamões, maracujás, bananas, encostadas com barracas de tomates e que teimam estar próximas com as barracas de pastéis que transmitem ao longe essas frituras, e estão sempre lotadas de fregueses, ficando ao lado do caldo de cana de açúcar, garapa extraída através da moenda da cana.
Tudo muito “bem pesado” em balanças bem niveladas sobre o tabuleiro, as tradicionais Filizzola mecânicas, ou as atuais eletrônicas, ou ainda produtos vendidos por dúzias. Enfim, uma gama de produtos sem fim, que dão o ar rarefeito de local para encontros dominicais, de uma bagunça feliz, que vista de fora por um estranho, por falta de costume, mal entenderia tanto “zum-zum-zum” e gritaria, misturado com o bater do conserto de panelas no final da feira.
No governo do prefeito de São Paulo, Faria Lima, instituíram-se as feiras cobertas em reservados (para se evitar o incomodo de obstrução de ruas) e foi construída, então, uma feira com cobertura em frente à Panificadora São Luiz. A cobertura ficou conhecida como “Feirão”, idealizada em 25 de novembro de 1968, através da empresa SERGUS Engenharia e Comércio Ltda., com o valor da obra orçada em $345.279,56 cruzeiros, a moeda circulante da época.
No local do projeto original da feira havia algumas residências, e para ali se instalar foi necessária a indenização para os antigos proprietários, sendo testamentário deste fato o fotógrafo “Chico” Furukawa e Dona Tereza, que ali fizeram suas moradias.
A inauguração da obra teve direito da placa comemorativa em bronze fixada a uma enorme pedra extraída da “bica das lavadeiras” que, pelo descaso, foi arrancada e talvez vendida por algum sucateiro por alguns trocados e míseros tostões. Esta é parte da história que marcou a primeira benfeitoria pública relevante no bairro.
Com o passar do tempo, o Feirão servia também para longas “peladas” futebolísticas da gurizada ou a efêmera, mas atraente, escola de samba do saudoso “Trabucão”, ou da posterior “Grêmio Recreativo Esportivo Cultural Escola de Samba Mocidade Unida São Luiz”, subsidiada por um comércio emergente como o “Estacionamento Domingos”, “Supermercado Eduma” e “Gino Loterias”. Escolas de samba que tentaram implantar com muito sacrifício, mas que por percalços naturais não vingaram. Ali se escutou muito repique e “surdão” ao comando de um apito estridente (depoimento de Caicaio, sobre a primeira escola dirigida pelo Trabucão, citando ainda seus filhos Serginho, José Luis e Osni).
Ao lado do Feirão havia um reservado que se abrigavam os funcionários e ferramentas do serviço de manutenção municipal, responsáveis por manter limpo o Feirão e as ruas adjacentes. Neste local hoje está situado o batalhão da Polícia Militar de São Paulo, que fechou o acesso da Rua Francisco Cerqueira, entrada do Colégio Estadual Prof. Luiz Gonzaga Pinto e Silva, para acomodar todo o equipamento militar.
Muito se cogitou para formar-se no local do Feirão um mercado modelo, antes mesmo dos “sacolões” confinados existirem, mas a falta de sensibilidade “derrotou” o antigo Feirão e a cobertura foi derrubada, restando somente a lembrança deste empreendimento, sendo o mesmo substituído pela Praça José Fernandes Camisa Nova.
Por mais esforço que se faça para ver o contrário, percebe-se que houve desinteresse em manter qualquer manutenção preventiva na cobertura do Feirão, marco importante do bairro até então, por motivo fútil foi abandonado, indo ao chão sem despedida oficial, mas com o lamento silencioso do povo.
Hoje se cogita em terminar com a feira livre da Rua Arraial dos Couros, fomenta-se esta condição por meros interesses políticos; mesmo que se consiga “matar” o costume há de se preservar a identidade do bairro através da história das feiras livres!
E-mail: cafatorelli@gmail.com