Leia as Histórias
Em casa os móveis eram simples, pesados, de madeira “pura”, sendo que o do entretenimento era um rádio da marca Bell enorme, coisa americanizada, que para sintonizá-lo era uma verdadeira arte, pois ao longe se escutava um chiado forte, que diziam os mais velhos era a “frequência”, uma tal de “hertz”, um verdadeiro zumbido “frequente”.
As transmissões mais comuns eram pela rádio PRB-6, a Piratininga, mais uma estação somada às quatro estações do ano. Regular todo dia a “danada” era algo impressionante, pois o trambolho, que se chamava rádio, para sintonizar era um verdadeiro martírio. Estava eu lá todos os dias diante do maior bem da casa, o rádio de meu pai, para ouvir o cavaleiro Juvêncio, o Justiceiro do Sertão, a galope do Corisco, que no dia posterior era o comentário de toda a garotada, que “viajava” na imaginação para adivinhar o que iria acontecer com o “nosso” herói.
Por sua vez minha mãe ficava esperando o Pedro Geraldo Costa, que transmitia a oração com o padre Donizetti, de Tambaú “religiosamente” às 18h e naquela hora ninguém podia dar um “piu”, que a bronca era certa. Posso errar, mas acho que foi um dos primeiros programas voltados à religião que houve por transmissão radiofônica e pela rádio Nacional em rede de grande alcance.
Outra difusora transmitia as violas de Tonico e Tinoco às 5h da manhã quando meu pai Ernesto “aplumava-se” para sair pedalando pelo mundo afora (naquele tempo muitos iam para o trabalho de bicicleta, pois onde morávamos nem ônibus tinha!). Era um canto frequentemente de rasgada melodia todo “santo dia” e fumegava o café de um cheiro forte a gotejar de um tripé onde era “enfurnado” um saco de linho, sendo o cheiro impregnado por todo o barraco e misturado com o som da música. A “roça” penetrava em casa até mesmo antes de o galo cantar!
De repente surgiu uma tal de televisão, que as pessoas “entravam” dentro de uma caixa e se apresentavam! Era um negócio de outro mundo e toda aquela gurizada ao redor da casa do seu Getê, vendedor representante por todo São Paulo de uns produtos de inseticida e cera que lustrava o chão feito de cimento e vermelhão de muitas casas. Ele era da família dos Pinheiro e morava na antiga Rua 28, hoje chamada Lázaro José de Paula, no Bairro do Jardim São Luiz, Santo Amaro. O seu Getê “era rico” por causa do descrito, era um homem de bom coração, não se importava que um monte de moleque fosse lá, em sua casa, ver o tal “rádio com imagem”, nós ficávamos vislumbrados. Havia uma condição: tínhamos que ficar bem quietinhos, como quando as mães escutavam a reza, e nós parecíamos até “mudo e morto”, até a respiração parava!
O tempo passou e outras pessoas foram adquirindo suas televisões e daí perdeu a graça daquele monte de crianças todas juntas e misturadas. Tinha uma casa que tinha na televisão uma “tela colorida”, ou seja, um papel tipo celofane que se grudava na frente da imagem e os artistas da televisão ficavam todos coloridos: na parte de cima, tudo azul, no meio, tudo vermelho e embaixo, tudo amarelo!
Enfim, o rádio de casa ainda “chiou” por muito tempo, até que o pai teve “bolso”, quero dizer condições e comprou uma televisão alemã de nome “Landgraft” que tinha umas válvulas maiores que as do rádio e que ficavam “cansadas” e quebravam toda semana, levando o “véio” quase a falência; então ele se encheu, resolvendo aposentar “aquilo” e o móvel serviu de apoio ao velho rádio Bell!
E-mail: cafatorelli@gmail.comVocê precisa estar logado para comentar esta história.
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Muito bom Carlos, muito bom. As válvulas eram um tormento. Primeiro que a gente tinha que esperar um tempão para elas esquentarem, se não os danadinhos não funcionavam. Depois que a cada semana uma delas pifava e o rádio ou a TV, pifavam junto.
Enviado por Marcos Aurélio Loureiro - marcos.lour@yahoo.com.brSobre o rádio, realmente tinha tantas válvulas que tirava o fundo do radio para clarear um pouco a sala e o aparelho ainda esquentava muito, bom tema, parabéns, Estan
Enviado por Estanislau Rybczynski - estantec@gmail.comDescrição bem elaborada de uma época em que a maioria das pessoas, nos primeiros contatos com a TV, o deslumbramento era total. Quanto ao rádio, lembro, também que minha mãe tinha adoração
pelos programas religiosos e caipiras. Fatorelli, sempre gostei e até hoje ouço, as vezes até mais do que TV. Parabéns pela sua narrativa, Carlos.
Modesto
Enviado por Modesto Laruccia - modesto.laruccia@hotmail.comÉ verdade, os móveis eram de madeira mesmo.
Tenho até hoje uma mesa que foi do meu pai.
E o coador de pano, o cheirinho de café, hummm.
Gostei da sua história, embora seja o Sr de Sto Amaro, e eu do Birro do bugio aqui em Piracaia, parece que falamos a mesma língua; a da vidinha simples de antigamente.
Enviado por Benedita Alves dos Anjos - dosanjos81@gmail.comAssisti muito esse tipo de televisão "colorida", parabéns Fatorelli.
Enviado por Arthur Miranda (Tutu) - 27.miranda@gmail.comCarlos, como é bom ler historias como sua e que trazem lembranças do passado. Meu pai adorava o Tonico e Tinoco e nos acordava todos os dias com as vozes desta dupla caipira.Que saudades! Parabéns pelo texto.
Enviado por Margarida Pedroso Peramezza - margaridaperamezza@gmail.comCarlos, vibrei demais com o seu texto e me fez lembrar coisas interessantes também do meu passado. A "tela colorida", então, era ótimo. Excelente. Parabéns, meu amigo. Um abraço.
Enviado por Vera Moratta - vmoratta@terra.com.br